É uma das piadas mais conhecidas: o náufrago espanhol chega a uma ilha, é recebido por alguns habitantes locais e faz a primeira e única pergunta que lhe competia: "¿Hay gobierno acá? Respondem que sim, há governo. O espanhol, ofegante, declara seus princípios: "¡Entonces, soy contra!"
Se o mesmo náufrago chegasse ao Brasil neste fevereiro de tanto calor, provavelmente receberia uma resposta diferente. Não, não há governo. Ninguém, nem mesmo um náufrago, precisa ser contra.
Temos uma presidente digna, capaz, honesta, com popularidade em alta. Temos uma multidão de ministros, ministros até demais, para recursos hídricos, direitos da mulher, cultivo da castanha do caju, reforma disso e daquilo, plano de sustentabilidade da leveza do ser (para contrariar o Milan Kundera) e parcelamento do espaço aéreo.
Somando os ministros demitidos com aqueles que ainda não o foram, dá para encher um Costa Concordia, todos sobreviventes e disponíveis para novos encargos de sacrifício cívico.
Em termos de formalidade, tudo está nos seus lugares e modos. O ministro da Fazenda reconhece que a Casa da Moeda é importante (há um lugar comum que se refere à moeda chamando-a de "vil"). Nomeia para gerir a citada vil moeda uma pessoa que ele não conhece nem sabe quem a indicou. Em país assim, nenhum náufrago pode ser contra, pelo contrário, todos são a favor.
Aeroportos do país ameaçam ser privatizados no expediente da manhã, voltam a ser do governo no expediente da tarde. Todos os dias, as TVs oficiais mostram as cerimônias de inauguração e de assinatura de novas medidas ou posse de novas autoridades. Para ser do contra, o náufrago terá de nadar mais um pouco, ir para a Síria ou o Haiti, que é mais perto.
Folha de São Paulo, 12/2/2012