Quando houve o terremoto em Lisboa, no século 18, Voltaire escreveu o Poema sobre o Desastre de Lisboa (1756), negando a existência de um Deus que consentia numa tragédia de tamanha barbaridade. Diante do desastre, Voltaire perdeu a fé num ser superior que cuidasse dos destinos humanos.
O terremoto no Haiti supera em grau e número o de Lisboa. E, pelo que a mídia internacional divulga, é a maior tragédia sísmica do planeta nos últimos 200 anos. Pobre Haiti, que, além de seus problemas estruturais, enfrenta um abalo que derruba praticamente a sua esperança de futuro a que toda nação aspira.
Não são de hoje os problemas daquele país. Nos meados do século passado houve a ditadura do Papa Doc, que criou e manteve em evidência os tontons macoutes, tropa de choque policial que cometeu as maiores barbaridades contra a população. Sucedido pelo filho, Baby Doc, a miséria continuou até que o país conseguiu se livrar da dinastia.
Veio depois Aristide, cujo prestígio durou pouco, foi afastado por corrupção. Sendo um dos países mais miseráveis do mundo, bem que a providência dos deuses, do Deus cristão ou dos deuses africanos que ali são venerados e invocados, poderia poupar o Haiti de tamanha desgraça.
Somente um aspecto é positivo nisso tudo: a solidariedade internacional provocada pela tragédia. Mas há um problema, ou melhor, há muitos problemas que ainda surgirão. Sem estrutura alguma, não se sabe como essa ajuda chegará aos desesperados. Parece que Lula queria mandar Celso Amorim para lá. Mas nosso chanceler argumentou com razão: “Eu nem teria com quem falar”.
A reconstrução do Haiti terá da comunidade internacional uma ajuda substancial em dólares. Mas isso realmente bastará?
Folha de S. Paulo, 17/1/2010