Tirante idéias gerais, que incluem o combate à miséria, a luta pela justiça social, pela melhor saúde e educação, idéias que formam o núcleo de qualquer programa de qualquer político, o que se vê na prática, num governo sem metas precisas, é a perda de tempo e de energia a que o presidente da República se obriga para reformar um ministério que nem ele sabe qual deve ser.
E, se pudesse, não reformaria nada. Parece satisfeito com o que tem, repartindo com os seus auxiliares atuais o sucesso que ele não cansa de se atribuir. Volta e meia, os colunistas mais chegados ao poder informam que Lula telefonou, altas horas da noite, para sicrano ou fulano, fazendo sondagens para agradar a todos desde que saia candidato para a reeleição, que é a meta praticamente única da atual conjuntura.
Qualquer problema que saia da agenda preferencial é considerado irrelevante, largado para a rotina da máquina administrativa, que nunca foi grande coisa. Falar coisa séria, dentro do governo e do Congresso, é botar fulano ali e tirar sicrano dali, caso contrário não haverá "base" para um novo mandato de Lula. Hospitais aos pedaços, não apenas no Rio mas em todo o país, estradas arrebentadas, safras quebradas, penitenciárias igualmente quebradas -tudo é secundário. Que cada autoridade local se vire e se arrebente.
Curiosamente, quanto menos gosto de seu governo, mais gosto de sua pessoa, incluindo agora sua capacidade de um visual esplêndido. Já o louvei no meio das princesas das uvas, do gado zebu, das peladas dominicais. Domingo passado, ele apareceu com uma guitarra dada por Lenny Kravitz para o Fome Zero.
Lula não fez por menos. Pegou a guitarra, deu um passo à frente, no comovente esforço para imitar um roqueiro profissional. Sabemos que ele gosta é do Zeca Pagodinho, de um repertório meio caipira. Mas presidente bom é para essas coisas. E ele é bom nisso.
Folha de São Paulo (São Paulo) 27/03/2005