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Guerra e paz

 

Numa palestra que fiz recentemente na série "Como Viver Juntos", promovida pelo Fronteiras do Pensamento, defendi a tese de que o ser humano prefere a paz à guerra, muito embora a história esteja marcada por inumeráveis conflitos, que datam desde as nossas origens até os tempos atuais.

De fato, nos dias de hoje são tantos os conflitos que a minha tese, que pareceria óbvia, se torna quase inaceitável. Não obstante, insisto que o homem prefere a paz à guerra.

Como se explicaria, então, que os conflitos armados sejam um fator constante, envolvendo os mais diferentes povos e países?

A resposta, que pode parecer simplista, é que nem sempre fazemos o que consideramos certo e o que desejamos. Se isso vale para cada um de nós, individualmente, imaginem quando se trata de questões que envolvem interesses econômicos e políticos nacionais e internacionais.

Refletindo sobre o tema que me foi proposto, logo me veio à mente os indígenas que habitavam o território nacional, antes que aqui chegassem os colonizadores. Viviam guerreando.

É que, sendo nômades, alimentavam-se das frutas e dos animais que caçavam na floresta. Quando esses recursos se esgotavam na zona em que viviam, deslocavam-se para outra, já ocupada por diferente tribo, do que resultavam verdadeiras guerras de extermínio.

Mas, com a chegada dos colonizadores e, particularmente, dos jesuítas que os catequizaram, os índios se tornaram sedentários, e aqueles conflitos terminaram.

Tal fato me leva a pensar que na medida em que os homens conquistam condições estáveis de vida, o motivo de muitos conflitos desaparece, embora, claro, possam surgir outros, conforme se sabe.

Se recordamos a história das nações, ao longo dos séculos, constatamos que o desenvolvimento econômico e social, pesados os prós e os contras, tem contribuído para maior acordo entre as nações.

Certamente, os países têm seus interesses, que se expressam também no intercâmbio comercial, o qual melhor se mantém e desenvolve com o entendimento e não com os conflitos.

É verdade também que esses mesmos interesses podem conduzir ao desentendimento, particularmente quando as disputas no plano econômico se tornam inevitáveis. Nesses casos, muitas vezes contribuem para o acirramento das contradições fatores ideológicos que tornam o entendimento inviável.

Em alguns momentos da história –mesmo em épocas mais próximas de nós– vimos surgir conflitos deliberadamente suscitados por líderes políticos, e não por interesse real da nação.

Ninguém desconhece que, em diversos momentos, fatores religiosos também conduziram a guerras, de que são exemplos as Cruzadas, na Idade Média.

Hoje assistimos ao fanatismo do Estado Islâmico, cujo sectarismo ultrapassa qualquer explicação razoável. Por pura intolerância, tem assassinado milhares de pessoas e destruído relíquias artísticas, patrimônios da humanidade, simplesmente para afirmar seu fanatismo.

Um dos casos mais lamentáveis de conflito irrazoável é o que se mantém entre palestinos e israelenses desde a década de 1940, quando a ONU (Organização das Nações Unidas) aprovou a criação dos dois estados, o israelense e o palestino.

Os palestinos não aceitaram a decisão e, com isso, iniciou-se um conflito que dura até hoje e de que tem resultado a morte de milhares de pessoas.

Duvido, sinceramente, que as mães palestinas e as mães israelenses queiram que seus filhos vão à guerra morrer. Quem, na verdade, deseja as guerras são alguns poucos, seja por razões religiosas, ideológicas ou econômicas.

E não são eles que vão para as linhas de frente pôr em jogo suas vidas. Por isso, insisto em dizer que as pessoas preferem a paz à guerra. É certo que, às vezes, se deixam levar por líderes belicistas mas, no final, quase sempre se arrependem de o terem feito.

Na palestra, mencionei um fato a que já me referi em outras ocasiões. Fui, certa vez, entrevistado por um jornalista israelense que perguntou o que eu achava do conflito entre Israel e os palestinos.

Respondi-lhe: "Acho eu que devem sentar à mesa e fazer as pazes. Chega de ter razão enquanto milhares de pessoas perdem a vida".

Chega de ter razão. O que importa é ser feliz.

Folha de São Paulo, 11/10/2015