Difícil e, seguramente, inútil pesquisar o motivo pelo qual foi criado o Dia dos Tolos, que, pelo menos no Brasil, é comemorado a cada 1º de abril. Pensando bem, todos os dias são dos tolos, que somos todos nós. Podemos ser espertos, espertíssimos em determinados lances da humana vida, mas a tolice paira sobre nós e sobre nós desaba, prevista ou imprevistamente, sem contar aquela tolice pessoal que temos entranhada dentro de nós mesmos e da qual nunca nos libertaremos.
Até que a prática vem decaindo de uns tempos para cá, talvez por ser ingênua demais e, certamente, pueril. Parece que todos temos pressa de crescer e abandonamos, cada vez mais cedo, o nosso gosto infantil. Procuramos não apenas esquecê-lo mas repudiá-lo, como um crime do passado que não queríamos ter cometido.
"Caiu primeiro-de-abril" era uma senha que vigorava dentro dos lares, nas ruas, nos bairros, nas repartições, nas fábricas, até mesmo no rádio de então. Aquele programa em que Orson Welles noticiou a invasão da Terra por marcianos não foi feito num 1º de abril, mas mostrou que sempre houve um formidável espaço para a ficção dentro da realidade. Foi a brincadeira mais famosa da história. Contou com o poder de comunicação do rádio e da teatralização feita por um radialista de talento, que logo se transformaria num cineasta de gênio. Obrigaram Orson Welles a pedir desculpas aos ouvintes, à nação inteira que ele alarmou. Alarmou, mas, de certa forma, encantou.
Primeiro-de-abril controvertido foi promovido recentemente por um compatriota de Orson Welles, que não é radialista, mas presidente da República. A invasão do Iraque, sob o pretexto de proteger o mundo, não dos marcianos, mas das armas de destruição em massa amealhadas por Saddam Hussein, não deixou de ser um primeiro-de-abril prolongado, sangrento, letal.
Passados alguns meses, os responsáveis pela sinistra brincadeira (que ainda não acabou) confessaram que o pretexto da guerra fora um primeiro-de-abril aplicado ao mundo todo, principalmente ao Iraque. Nem pediram desculpas: tudo ficou pelo direito de, periodicamente, qualquer um, indivíduo, condição ou nação, montar um Dia dos Tolos e, depois, rir dos estragos feitos.
Outro primeiro-de-abril que, por coincidência, caiu mesmo num 1º de abril, foi o movimento militar de 1964. Comovente o empenho e a ginástica que os interessados -na política, nas Forças Armadas e na mídia- fizeram e até hoje continuam fazendo para deslocar a comemoração dessa data, tentando livrar a quartelada da condição de tolice. Uma tolice que durou 21 anos e fez milhares de vítimas.
Outro primeiro-de-abril, o mais recente de todos, aconteceu na semana passada e teve também como autor um presidente da República, o mais popular que tivemos nos fastos republicanos e, por isso mesmo, o mais comprometido com a nossa infância coletiva e gostosa, quando podíamos dar trotes nos amigos, que logo reconheciam ter caído num primeiro-de-abril e o perdoavam, até mesmo o apreciavam.
Bem verdade que Lula antecipou o seu primeiro-de-abril para o final de março. Honra lhe seja feita: foi um trote perfeito, que, preparado durante mais de quatro meses, envolveu ministros, congressistas, presidentes de partidos, cobras e lagartos da mídia, reuniões formais, cafés da manhã informais, notícias plantadas e replantadas nas colunas especializadas, que, aliás, engrossaram ingenuamente a brincadeira, acredito até que de forma graciosa, por amor à arte de estar por dentro das entranhas do poder, mas sem desconfiar de que eram cúmplices do Grande Trote.
Desconfio de que a demora de Lula em avisar que não haveria reforma ministerial porra nenhuma tivesse como objetivo aguardar o primeiro dia de abril para fazer o glorioso anúncio. Quem estragou a brincadeira foi Severino Cavalcanti, presidente da Câmara dos Deputados, dando-lhe pretexto para antecipar o trote.
Há explicação para isso. Tanto Lula como Severino têm origem popular e, ainda por cima, são pernambucanos, que conservam tradições entranhadas na alma da gente simples. Ariano Suassuna, entre outros estudiosos, é um especialista no assunto, que ele sabe abordar com um charme assombroso.
Deixando de lado três pernambucanos ilustres, Lula, Severino e Suassuna (este último é paraibano, mas, num trote genial, tornou-se pernambucano), volto-me para o menino de Lins de Vasconcelos, aqui no Rio, que temia a data fatal, certo de que não passaria impune o Dia dos Tolos, dia que ele acreditava ter sido criado especialmente para ele.
Num deles, recebi o bilhete da menina que então cobiçava. Ela me declarava amor para toda a vida e propunha um trato que se realizaria no bambual que havia nos fundos do quintal dela. Trato que, no dia seguinte, se transformou em trote: quem escrevera o bilhete fora o namorado dela, que me esperava no bambual com alguns aliados que me quebraram a cara. Que, pelo trote da véspera, já estava suficientemente quebrada.
Folha de São Paulo (São Paulo) 01/04/2005