Entre as frases do ano que passou, os resenhistas destacaram uma confissão de Lula: "Não somos tão ruins quanto alguns nos acusam nem tão bons como pensamos que somos" (a frase exata pode não ser essa, mas o sentido é esse mesmo). Boa frase, mas que pode se aplicar não apenas ao governo atual mas a todos os governos passados e futuros. Mais: em escala individual, pode se aplicar a cada um de nós, que nunca somos tão ruins como os outros pensam nem tão bons como julgamos de nós mesmos.
No caso de Lula, o "bom" ficou mais ou menos evidente com a superlouvada performance da economia -segundo leio nos cadernos especializados e ouço dos políticos que garantem a sua base política. O "ruim" ficou escancarado, com o fracasso dos programas de impacto lançados nos primeiros dias de governo. Volta e meia, o próprio presidente avisa que tudo tem sido sucesso, mas a realidade é outra, está mais do que na cara.
No meu entender, em que pesem a simpatia e o carinho que tenho por Lula -no que sou acompanhado, excepcionalmente, por milhões de brasileiros que aprovam o presidente-, entre o bom e o ruim de seu governo instalou-se a decepção do muito que dele se esperava e que até agora não veio nem parece estar a caminho.
Não votei nele -como não votei em ninguém na última eleição-, mas testemunhei o entusiasmo que sua eleição despertou nas diversas camadas da população, desde banqueiros até gente do salário mínimo. Não participei do entusiasmo geral: por temperamento e cautela, evito qualquer tipo de entusiasmo.
Mas folguei civicamente com a alegria generalizada que a eleição de Lula causou em toda a nação. E é exatamente neste departamento -o da alegria geral- que a frase de Lula cai no vazio. Seu governo pode não ser tão ruim como querem alguns, nem tão bom como outros acreditam. Mas as grandes esperanças continuam sendo apenas o título de um romance de Dickens.
Folha de São Paulo (São Paulo) 03/01/2005