Desde criança ouvia dizer que não se deve brincar com mulher. Por favor, me entendam. Brincar não significava, nesta advertência, fugir delas, deixar de amá-las, de transar com elas quando possível e com a obrigação suplementar de tentar até o impossível. "Brincar" era não levá-las a sério, baseados na inexistente fragilidade feminina, não temê-las na capacidade de suas cóleras e vinganças.
Mãe, matrona, matriarca, exemplo nas coisas boas e más, a natureza é mulher - e bota mulher nisso. Bela e irascível, aconchegante e letal, aí estão os resultados de sua ira contra os Estados Unidos, país que se recusa a assinar o Tratado de Kyoto. Vivendo basicamente de matérias -primas vindas de todas as partes do mundo para alimentar sua formidável gula industrial, os Estados Unidos desdenham o cuidado que o resto da humanidade dedica ao ambiente.
O pragmatismo, aliado ao hedonismo da sociedade norte-americana, criou um tipo de mentalidade que a aproxima nada menos do que a Jesus Cristo: não é deste mundo.
A natureza, como foi dito acima, é mulher, e como mulher, não perdoa àqueles que a desprezam ou a esnobam. O resultado aí está. A sucessão de tragédias naturais é a cobrança que torna os Estados Unidos vulnerável a catástrofes que habitualmente só acontecem em países pobres ou miseráveis. Uma sociedade que detém o maior poder econômico e militar do mundo de repente vê se esfacelarem os pés de barro que sustentam o gigante.
As tragédias ainda estão localizadas em regiões menos ricas e lambidas pelos furacões do Golfo do México. Mas há fendas no subsolo do grande território, como em Los Angeles e imediações, que podem de uma hora para outra criar uma tragédia equivalente às hecatombes de Hiroshima e Nagasaki.
Já estão falando em vingança da dupla Allah e Maomé. Prefiro acreditar na vingança da Natureza.
Folha de São Paulo (São Paulo) 25/09/2005