Sabe-se da importância dos gestos na política. Não apenas os corporais, que podem até mesmo fazer parecer mais alto e mais digno um orador, ou não. Mas que dizer dos gestos simbólicos, daqueles que engrandecem o emissor? Nos dias de hoje, em que já estamos fartos de não acreditar nos políticos, os gestos simbólicos têm mais importância que os corporais, que são absorvidos pelos candidatos em sessões de media training que os ensinam até mesmo aparecer sinceros. Como o amor verdadeiro, que Nelson Rodrigues dizia ser comprável pelo dinheiro.
Temos neste momento da política brasileira situação exemplar de gestos simbólicos que engrandecem ou apequenam emissor e receptor. Os gestos de Simone Tebet e Marina Silvano segundo turno da eleição presidencial em direção a Lula, quando ele mais necessitava ampliar seus apoios, contrastam com a miudeza das negociações políticas pragmáticas com que o presidente eleito está organizando seu ministério.
Tebet enfrentou parte do MDB para impor sua candidatura à Presidência da República e saiu dela maior do que entrou. Na sequência, teve um gesto corajoso: escolheu um lado diante da evidência de que derrotar Bolsonaro era mais importante do que tirar proveito do impasse eleitoral e colocar-se como neutra na disputa crucial. O fato de muitos petistas serem hoje contra a entrada dela no ministério equivale aos muitos emedebistas que foram contra sua candidatura ou, no segundo turno, aos eleitores dela contrários a que apoiasse Lula.
Tebet enfrentou a todos, fazendo o que achava certo. Claro que ela, no atual momento, não tem voto no Congresso, pois termina seu mandato como senadora. Mas fazer um acordo com o MDB que impede a entrada de Tebet em seu ministério ou querer dar-lhe um ministério desossado do Bolsa Família porque o PT quer ser o dono do campo social é amesquinhar a negociação política. Colocaram-na para coordenar o grupo de transição do Desenvolvimento Social a troco de quê?
O mesmo ocorre com Marina Silva. Líder incontestável internacionalmente da luta pela preservação do meio ambiente, Marina apoiou Lula no segundo turno oferecendo-lhe um projeto pronto para a área, de que foi ministra por anos com resultados positivos para o governo petista. Aceitar o projeto, como Lula fez, significava colocá-la no lugar certo, na hora certa. Hesitar agora, na definição de seu papel no futuro governo, é gesto simbólico que não engrandece Lula e seu entorno.
Mesmo que não levemos em conta questões morais, em homenagem ao caráter pragmático que quase sempre rege a política, é uma dúvida burra, pois, sendo a questão ambiental crucial nas relações internacionais, Marina é a escolha certa para o Meio Ambiente. Tem a melhor equipe técnica do setor e uma imagem pública que transcende as fronteiras.
Assim como em 2003 sua escolha foi símbolo de um governo inovador, hoje é sinal de compromisso com a preservação da Amazônia, dando uma guinada na política ambiental brasileira, trazendo-a de volta ao rumo certo. O fato de as duas serem mulheres, e também Izolda Cela barrada na Educação, pode suscitar preocupações nessa disputa política comandada por homens.
O cientista político Carlos Pereira, do Ibre da Fundação Getulio Vargas do Rio, concorda que as lideranças do PT têm dificuldades de perceber os determinantes sociais e políticos da vitória de Lula num ambiente polarizado, por pequena margem. Ele lembra que um aspecto pouco explorado na literatura de formação e gerência de coalizão diz respeito à necessidade de a coalizão ser consistente não apenas com os partidos, mas com os eleitores.
-A vitória de Lula foi consequência de um voto negativo a Bolsonaro (de rejeição ao polo rival), e não de um voto positivo, de afirmação do PT -analisa, afirmando que, para que esse governo consiga ser forte, 'precisa acomodar as forças políticas que participaram desse processo para que os eleitores se sintam representados no governo'.
Se o próximo governo Lula for, mais uma vez, monopolizado pelo PT, Pereira acha que ele corre o risco de perder apoio popular rapidamente.
-Fica claro que Lula tem dificuldades imensas de dizer 'não' às várias tendências internas do PT que não têm representação dentro do Congresso.
Mas em compensação: -Consegue dizer 'não' aos partidos e lideranças políticas que foram fundamentais para a sua vitória e alcançaram representação de fato no Legislativo.
O paradoxo é que temos um presidente eleito por uma pluralidade de forças e interesses na sociedade, mas apenas uma delas, minoritária, consegue ser relevante nos rumos que o governo tomará.
Fazer um acordo com o MDB que impede a entrada de Simone Tebet no ministério é amesquinhar a negociação política.