Na semana passada, participei em Jerusalém de um seminário internacional sobre imigração e cultura. Tema importante, do ponto de vista literário, sobretudo em um país como o Brasil que é um verdadeiro melting pot, uma mistura de etnias, de religiões, de tradições. Não é de admirar que os imigrantes tenham papel destacado nas obras de nossos escritores: os alemães
Israel mudou muito desde a última vez em que lá estive, há 10 anos. O crescimento econômico, que oscila entre 4 e 5% ao ano, é visível nas excelentes estradas, nas construções que brotam por toda parte, nas indústrias, nas universidades. Há muita coisa nova para ver, entre elas as instalações do Iad Vashem, instituição dedicada à lembrança do Holocausto. Era basicamente um arquivo, com milhões de fichas, de documentos. Agora, existe ali também um excelente museu dedicado ao genocídio nazista. Que não foi, e isto a exposição o demonstra perfeitamente, uma exclusiva matança de judeus. Na verdade, as primeiras vítimas foram retardados e enfermos mentais, pessoas consideradas “dispensáveis”. Depois, outros grupos foram atingidos: comunistas, homossexuais, ciganos, poloneses, russos. Mas os judeus foram, indiscutivelmente, o alvo preferencial e a exposição mostra com que determinação e com que eficiência os nazis perseguiram esse objetivo. O museu estava cheio de visitantes, especialmente jovens, e não era difícil perceber a angústia e a revolta em suas faces.
Agora, vejam a coincidência. No avião de volta, e na falta do Correio Braziliense, peguei uma revista para ler: era a Time de 12 de junho. Na seção Notebook, que coleta frases recentes e significativas, havia duas declarações. Uma era do Papa Bento 16, quando de sua recente visita ao campo de extermínio de Auschwitz: “Num lugar como este, as palavras fracassam. No final, só resta o silêncio – um silêncio que é, por si próprio, um emocionado grito a Deus: por que, Senhor, permaneceste em silêncio? Como pudeste tolerar tudo isto?”
A declaração seguinte era do presidente iraniano Mahmud Ahmadinejad que, como se sabe, recentemente rotulou o Holocausto como “um mito”. Um repórter da revista alemã Der Spiegel perguntou se confirmava esta posição. Resposta de Ahmadinejad: “Só aceito algo como verdadeiro se estou convencido a respeito”.
Basicamente, uma maneira de reafirmar a posição anterior. Mas vale a pena examinar a frase. O presidente iraniano poderia ter dito, como um cientista o faria, que aceita algo como verdadeiro se existem evidências objetivas a respeito. Evidências, a propósito, não faltam no caso do Holocausto. Ali estão os números, ali estão as horripilantes fotos. Números e fotos coletados pelos próprios nazistas que, como se sabe, prezavam a ordem e a organização e que precisavam documentar o extermínio, até como motivo de orgulho. Mas, a julgar pela declaração do presidente iraniano, isto para ele é irrelevante: ao fim e ao cabo é a sua decisão que pesa.
Não é uma posição nova na história da humanidade, nem é Ahmadinejad o primeiro a externá-la. Sabemos a que tipo de distorção pode levar esse tipo de raciocínio. E, como nos lembra o museu do Holocausto, precisamos ficar alertas para as conseqüências que daí advêm: quando se nega a realidade, tudo é possível, mesmo os maiores absurdos. Deus, cujos desígnios são insondáveis, pode ficar calado. Nós temos a obrigação moral de falar.
Correio Braziliense (Brasilia) 23/06/2006