Não deu para entender. Lula acredita e proclama que a oposição é golpista. Por acaso ou não, na atual crise que o governo atravessa, e apesar do histerismo de alguns setores, sobretudo na mídia em alguns momentos e casos, poucas vezes em nossa história tivemos uma oposição tão bem comportada em termos institucionais.
E poucas vezes, também, um governo, um governante e uma equipe de poder deram tantos e tamanhos pretextos se não para um golpe, para uma conspiração. Certamente existem movimentos internos (ia dizer "intestinos") dentro do próprio poder, na base de fulano substitui sicrano, mas a oposição nada tem a ver com isso. A obrigação dela é criticar a situação, seja lá qual for. Lula e o PT fizeram isso muito bem e com histerismo maior e explícito.
Não procede o invocado exemplo da Venezuela e do golpe que tirou Chávez do poder por 48 horas. No caso venezuelano, houve uma orquestração de fora para depor um governo populista que detinha considerável reserva do petróleo mundial e, de quebra, hostilizava não apenas os Estados Unidos mas o capitalismo internacional, semente e fruto das diversas formas de globalização.
Na América Latina, em situações-limite entre governo e oposição, o fator decisivo para o golpe tem duas pernas: uma conspiração ideologicamente estruturada; e que se materializa, inchando e se propagando nos estados-maiores e quartéis. Os militares então saem às ruas mas não chega a haver combates, em linhas gerais evita-se o derramamento de sangue coletivo. O sangue a conta-gotas é tolerado.
As duas pernas do golpe são estimuladas e lubrificadas pelos interesses da "pax" mundial, que no passado era gerida pela Inglaterra, e hoje, pelos Estados Unidos. Foi assim em 1964, com o Ibad (a teoria) e a ação (Escola Superior de Guerra), de ambas resultando a operação Big Brother que derrubou um governo e instaurou uma ditadura que durou 21 anos.
Folha de São Paulo (São Paulo) 12/12/2005