O semipresidencialismo voltou à cena de maneira sutil ao ter o ex-presidente Michel Temer o defendido em uma live durante o simpósio da Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa sobre as perspectivas futuras das relações Brasil-Portugal na comemoração do bicentenário da Independência do Brasil. Sempre que pode, Temer faz essa defesa, como solução para as permanentes crises provocadas por nosso regime, que tinha características de hiperpresidencialismo e, no governo Bolsonaro, passou a ser uma espécie de “parlamentarismo venal”, na definição de um dos participantes do seminário, referindo-se ao fato de que não há projetos nas alianças partidárias, apenas interesses fisiológicos.
A figura do presidente, que tinha poderes quase supremos no nosso presidencialismo, passou a ser quase uma figuração ao Bolsonaro perder para o Centrão o controle do orçamento do governo. Bolsonaro, ao assumir a presidência da República em 2018, dedicou-se a tentar desmontar os esquemas políticos vigentes, para assumir o controle total das ações do governo. Nunca se acostumou às limitações que a democracia impõe aos governantes, e errou a mão.
Tentou governar através de apoios transversais de bancadas que seriam suprapartidárias, como as da bala, da Bíblia, da agropecuária, mas não deu certo. Embora tenhamos um sistema partidário disfuncional, com um enorme número de legendas em atividade no Congresso, ele se adaptou às necessidades de sobrevivência dos políticos e encontrou mecanismos congressuais de funcionamento, em que cada legenda encontra seu lugar ao sol.
A criação dos fundos eleitoral e partidário deu às legendas uma sobrevida financeira, tornando-as independentes dos favores dos governos. A fragilidade política de Bolsonaro foi sendo evidenciada à medida que seu governo não encontrava soluções para os problemas econômicos e sociais mais prementes, e os políticos do Centrão, capitaneados pelo presidente da Câmara Artur Lira, foram tomando conta do orçamento, até que, hoje, os ministros dependem mais de uma boa relação com o Congresso do que ao contrário.
Assim como o hiperpresidencialismo anterior denotava uma distorção do sistema de pesos e contrapesos, o “parlamentarismo venal” levou o pêndulo político para a direção oposta. Os partidos políticos passaram a se interessar muito mais em aumentar suas bancadas na Câmara e no Senado do que por eleger o presidente da República, que ficará refém de arranjos políticos dentro do Congresso.
O próximo presidente da República terá como missão principal conseguir ter uma bancada de apoio que possa neutralizar a influência do Centrão, ou pelo menos equilibrar a disputa interna caso o Centrão se vire contra o governo. Nos governos de Lula, o apoio do Centrão foi alcançado através do que ficou conhecido como mensalão, que gerou uma crise institucional ao ser denunciado, e quase levou ao impeachment do presidente.
O petrolão foi o desdobramento desse projeto de poder baseado no fisiologismo da maioria do Congresso, os “trezentos picaretas” que Lula já havia denunciado na Constituinte. O cientista político francês Maurice Duverger, grande teórico do tema, definiu o semipresidencialismo como o regime que reúne um presidente da República eleito por sufrágio universal e dotado de notáveis poderes, e um primeiro-ministro e um gabinete responsáveis perante o Parlamento.
Esse aspecto do semipresidencialismo, o do aumento da responsabilidade do Legislativo no governo, parece fundamental aos estudiosos do assunto, mas, no caso brasileiro, ele já foi alcançado por meios escusos. O sistema francês foi adotado por Charles De Gaulle, que venceu um plebiscito contra o parlamentarismo até então vigente, como um contragolpe a uma tentativa de golpe de Estado. No Brasil, o semipresidencialismo surge sempre no debate quando o poder está para ser alcançado pela esquerda, e agora com a novidade de também ser útil para deter o avanço de um governo de extrema direita que não convive com limitações democráticas.
Antes, foi o parlamentarismo o instrumento encontrado para controlar um presidente de esquerda, João Goulart. Durante o governo Sarney, quando se discutia na Constituinte a duração do mandato presidencial, se seis anos como definido por Geisel para Figueiredo, ou de quatro ou cinco anos sem reeleição, o então presidente mandou um recado para o deputado Ulysses Guimarães aceitando o parlamentarismo com cinco anos de mandato presidencial.
Ulysses disse que não poderia ir contra o partido, que era favorável ao presidencialismo, e Sarney conseguiu um mandato de cinco anos da Constituinte. A discussão sobre o presidencialismo e o parlamentarismo, com suas variantes como o semipresidencialismo, está presente na história brasileira recente, mas surge sempre com o objetivo de retirar poderes de um candidato a presidente indesejável, o que lhe retira a credibilidade e o transforma em uma gambiarra jurídica.