Encontro um amigo por acaso, em Copacabana, havia muito que não nos víamos, começamos a contar o que estávamos fazendo ou o que pretendíamos fazer. Nisso passou por nós um conhecido comum, cumprimentou-nos à distância e se perdeu no turbilhão da Galeria Alaska.
O meu amigo baixou a voz e comentou: "Imagine! O Silvério morreu e não sabe que morreu, continua vivo por aí, mas é um fósforo queimado, não serve para mais nada!"
Despedimo-nos e nos prometemos aparecer qualquer dia -por cautela, tomei o caminho oposto ao Silvério, o que morreu e não sabia. Na verdade, queria ficar sozinho para pensar que o mundo está cheio de mortos que ainda não sabem que morreram.
Fiz um breve e honesto exame de consciência e descobri que, ao contrário do Silvério, eu morri e os outros ainda pensam que estou vivo, me cobram coisas que não gosto de fazer, mandam-me cartões de Natal me desejando saúde, felicidade e prosperidade no ano que vai entrar.
Os mais desinformados chegam a me pedir um prefácio para os livros que estão escrevendo. Viver é um saco mais cheio do que o saco do Papai Noel.
Descubro com indecente alegria que há vantagem em morrer e deixar que os outros continuem pensando que estamos vivos. Evidente que haverá muita gente que nos considerará um clone do Silvério -o que não soube que morreu.
Fazendo o contrário do Silvério, ganha-se o badalado distanciamento de Brecht, muito elogiado no palco, mas condenado na vida diária, que nos obriga à interação e nos oferece, além dos encontros fortuitos na rua, o Facebook, o Twitter, os blogs e todas as maravilhas cacetes do mundo virtual.
Assim pensando, confirmo a certeza de que já morri, mas, por precaução, evito a Galeria Alaska para não topar outra vez com o Silvério.