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Furto nas alturas

 

"Senhores passageiros, sejam muito bem-vindos ao nosso voo. Como informou o nosso comandante, estamos prontos para decolar.

 

Peço, pois, que afivelem seus cinturões, retornem o encosto da poltrona para a posição vertical e mantenham travada a mesinha à sua frente. A partir desse momento, todos os equipamentos eletrônicos deverão ser desligados.


O nosso tempo de voo será de dez horas e quinze minutos. Após a decolagem serviremos o jantar, que será acompanhado de finos vinhos.

 

Vinho, como os senhores sabem, é ótimo para relaxar, o que, sinceramente, espero que todos os passageiros façam. Depois do jantar diminuiremos a luz nesta classe executiva, para que vocês possam descansar e dormir.

 

"Dormir, talvez sonhar", como diria Shakespeare. Desejamos bons sonhos a todos.

 

Não se assustem se, enquanto estiverem dormindo, encontrarem esta que vos fala junto à vossa poltrona, mexendo em vossos bolsos. Estarei recolhendo dinheiro vivo, seja em dólares, em euros, em francos suíços, em ienes, qualquer moeda forte serve.

 

E recolherei joias, desde que não sejam falsas. Mas certamente pessoas elegantes como as que viajam não cogitariam usar bijuterias. Recolherei também cartões de crédito e talões de cheque, esperando que para os mesmos haja fundos.

 

Eu poderia dizer que o propósito dessa coleta (que para os senhores será, digamos, involuntária) é dar contribuições para fundos de caridade, ou para ajudar vítimas de desastres ambientais. Mas não vou mentir, senhores passageiros, porque acho a honestidade absolutamente fundamental neste tipo de relacionamento.


O dinheiro, as joias, os cartões de crédito, os talões de cheque, tudo isso destina-se a uma única pessoa: eu. Entendam: sou de origem humilde, sempre vivi de salário, invejando as pessoas que, como vocês, viajam de classe executiva. Mas agora pretendo melhorar.

 

Quero ter uma boa casa, quero frequentar restaurantes da moda. E, ah, sim, quero ter um avião. Um avião particular. Não tão grande quanto este, mas um jatinho, pelo menos, que me leve para lugares como Caribe ou Nova York.

 

Não preciso de uma grande tripulação: o comandante, o copiloto, e, obviamente, uma aeromoça ou aeromoço. Pagarei muito bem, mas quero fazer uma advertência: como os senhores verão neste voo, eu não durmo a bordo. Portanto, qualquer tentativa de coleta como a que eu mencionei será inútil.

 

Espero que os candidatos ao cargo sejam -como as aeromoças e aeromoços em geral- absolutamente honestos. Porque o crime não compensa. Muito menos quando se está a 10 mil metros de altura."


Folha de S. Paulo, 26/7/2010