É sabido que a maioria das alterações pertinentes ao Direito de Família, no novo Código Civil, provém da Constituição de 1988, a qual determina a igualdade absoluta dos cônjuges e dos filhos, não havendo mais diferenças de direitos e deveres entre o marido e a mulher, bem como entre os filhos havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, tendo os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Também no que se refere à guarda, manutenção e educação da prole, são estabelecidas normas bem diferentes das vigentes na legislação anterior. Em primeiro lugar, desaparece a figura do "pátrio poder", o qual, por proposta por mim formulada, passa a denominar-se "poder familiar", que cabe igualmente a ambos os cônjuges. Havendo divergência, qualquer deles poderá recorrer ao juiz, que decidirá tendo em consideração tanto os interesses do casal como dos filhos.
Dissolvida, hoje em dia, a sociedade familiar, observar-se-á o que os cônjuges acordarem sobre a guarda dos filhos e, se não houver acordo, será ela atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la.
Nessa matéria é atribuído grande poder ao juiz, o qual, havendo motivos graves, poderá, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular de maneira diferente da prevista no código a situação deles para com os pais. Acima, pois, da vontade destes prevalecerá, por decisão do juiz, o que foi entendido mais conveniente à prole. À vista de tais disposições, poder-se-á dizer que o direito familiar atende, concomitantemente, a laços biológicos e sociais, tendo em vista os interesses dos filhos.
Em virtude dessa função social da família - que a Constituição considera "base da sociedade" -, cabe ao juiz o poder-dever de verificar se os filhos devem permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, atribuindo a guarda a pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, de preferência levando em conta o grau de parentesco e relação de afinidade, de acordo com o disposto na lei específica, ou seja, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990).
Tão forte é a compreensão social da família que o juiz, atendendo a pedido de algum parente ou do Ministério Público, poderá suspender o poder familiar se o pai ou a mãe abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a ele inerentes, ou arruinando os bens dos filhos, e adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres.
É em função dos princípios de socialidade e eticidade que se passou a regular, com novo espírito, a questão de alimentos no seio das entidades familiares.
Segundo o novo Código Civil, os parentes, os cônjuges ou companheiros "podem pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação".
Não podia ser mais amplo o reconhecimento do direito a alimentos, "que devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada", o que significa que o legislador, ao invés de recorrer a critérios quantitativos, preferiu situar a questão em função das circunstâncias socioeconômicas em que se encontrarem os interessados.
Estabelecido esse critério social, não se deixa, porém, de atender a razões de eqüidade ao fixar que os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar da culpa de quem os pleiteou, o que demonstra o equilíbrio com que se disciplinou essa matéria.
É com esse balanceamento de valores que também se prevê a dívida por alimentos quando quem os pretende seja desprovido de bens suficientes à própria manutenção, nem pode adquiri-los por seu trabalho, mas é estatuído que não haverá obrigação de prestar alimentos se, com eles, o reclamado venha a ser desfalcado do necessário a seu sustento.
Note-se que o dever de prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, sendo extensivo a todos os ascendentes, "recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em face dos outros. Na falta de ascendentes, cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão, e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais".
Como se vê, a família é disciplinada na plenitude de sua função social, abrangendo, em se tratando de dever de alimentos, os irmãos de quem sejam eles reclamados.
Por outro lado, é com a devida cautela que se estatui que, fixados os alimentos, podem estes ser dispensados se sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre ou, então, reduzidos de conformidade com as condições supervenientes, sempre a critério do juiz, o que impede que a suspensão ou a redução dos alimentos sejam decididas sem motivos plausíveis.
Pode-se dizer que, nessa ordem de idéias, o novo Código Civil não deixa lacunas, ao prever, por exemplo, que a obrigação de prestar alimentos se transmite aos herdeiros.
Ademais, a palavra "alimentos" é tomada na mais ampla acepção, podendo tanto significar pagamento de uma quantia certa em dinheiro como conceder uma pensão alimentícia, ou dar hospedagem e sustento, sem prejuízo do dever de prestar o necessário à educação do alimentando.
Exemplo ainda da prudência legislativa empregada pelo codificador é a disposição segundo a qual, "para a manutenção dos filhos, os cônjuges separados judicialmente contribuirão, na proporção de seus recursos", ou, ainda, que um cônjuge pode pedir alimentos ao outro, conforme fixado pelo juiz, "caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial".
Onde, todavia, houve, a meu ver, inadmissível excesso de solidariedade é no parágrafo único do artigo 1.704, que permite pedido de alimentos pelo cônjuge declarado culpado, dispositivo este que não constava do projeto da comissão que tive a honra de presidir, e deveria ser suprimido.
O Estado de São Paulo (São Paulo - SP) em 11/10/2003