O papa Francisco não nos garante apenas o aggiornamento da Igreja, mas uma inédita prospectiva. Não se trata, porém, de um testemunho profético, nem, também, se o testemunho seria esgotado falando-se apenas de esperança. Não deparamos um estrito otimismo sobre o futuro, mas uma determinação de buscar convergências e multiplicar opções em que, inclusive, a Boa Nova do evangelho seja mais do que um simples acordar de um depósito de verdades. Aí está, de saída, não o clássico clamor da Igreja pela paz, mas a indução direta dos governantes à conversação e ao desbloqueio das ditas questões irredutíveis de um conflito.
Francisco avança, ainda, nos quadros cristãos à busca dos evangélicos e na convocação para assentar um ecumenismo, sem volta, em nosso tempo. No quadro da crença trazida à contemporaneidade, o papa eliminou a exigência do milagre para as canonizações e levou a palavra da Igreja para além dos clássicos temas a que se cingia, classicamente, a expectativa dos fiéis, no âmbito, por exemplo, do celibato sacerdotal ou do aborto.
Por outro lado, amplia Bergoglio a noção da conversão, à procura do que seja a radicalidade do encontro pelo cristão com a radicalidade da condição humana no seio de nosso tempo. Tal importa um ir adiante no despojamento institucional da Igreja e no apelo do que, na caridade, vá mais ao cuidado ou ao amparo do que à verdadeira entrega. Esta implica os “olhos de ver” a injustiça social e a destituição da humanidade contemporânea. A Boa Nova de Francisco é a dessa “Igreja pobre para o pobre”, em que este não pode mais ser, simplesmente, o “outro” buscado com a facilidade acrítica de um missionarismo. Reencontra Francisco, como primeiro carisma, o difícil desarme para uma real fenomenologia da destituição e de sua “toma de consciência”.
Nesse impulso prévio à Igreja conciliar, o movimento dos padres operários, por exemplo, já trazia esse imperativo, na procura contemporânea do sentire cum ecclesia, trazendo ao despojamento de uma real partilha da fé. O papado de Francisco vai à captura radical do que é a pregnância histórica pelo “sinal dos tempos”, na abertura única do Vaticano II. E é nessa prospectiva fundadora que a Igreja do novo milênio responde à tarefa de transformarmos, de vez, o “outro” no próximo.