As declarações da presidente Dilma sobre a eventualidade de um neocolonialismo francês na intervenção militar no Mali levaram à reflexão da opinião pública europeia, quanto ao contraste do lance de Hollande com o acervo habitual de expectativas, da recorrência de presenças militares do Ocidente na África contemporânea. A intervenção nasceu de um evento, literalmente fundador, de uma reação do Estado organizado contra o terrorismo, até agora beneficiado na esteira de Bin Laden, de apoio frontal, como no Iêmen, ou disfarçado, como no Paquistão. O que disparava, a olhos vistos, era a sequencia da Al-Qaeda com lideranças, reconhecidas e proclamadas, em nova onda, a demonstrar largo preparo técnico para a guerra de guerrilhas, e o grande aporte de armas e munições, transferidas após a queda de Kadafi, na Líbia. A região dos novos rebeldes ganhava, por sua vez, um expressivo impacto territorial em áreas vazias, mas geograficamente importantes, no norte do Mali, antevendo uma ocupação duradoura, à falta de fronteiras vivas, neste oeste do Saara. As novas chefias querem um salto estratégico no confronto, superando as ações típicas dos homens-bomba, ou da explosão de edifícios, para o corpo a corpo das ações terroristas, continuadas nos desgastes das estabilidades governamentais, e do alerta permanente contra o abate militar. Sobretudo, buscam a integração de populações nômades, dispersas nos vazios desérticos e incentivadas ao botim dos oásis.
A decisão de Hollande não pode esperar pela burocracia do intervencionismo das Nações Unidas, ainda atada ao cutelo das forças conscritas à ação na Líbia. O importante do seu timing histórico foi a viabilidade de congraçamento imediato em volta dos expedicionários franceses, de aparelhos militares dos países vizinhos e, sobretudo, pela recuperação do próprio exército do Mali, desarvorado pelas primeiras invasões rebeldes. Mas não se subestime, já, como poder de retaliação a resposta da nova Al-Qaeda, no assalto aos poços de extração algeriana, e a ameaça brandida a todo o Ocidente. E é só atentar ao superpoliciamento do aeroporto Charles de Gaule, e às tropas, de dedo nas metralhadoras, percorrendo o Champs-Élysées. Tarde chegue, ou não, a benção formal da ONU ao lance da França, o que parece que se tornou definitivo foi a eliminação de toda a área vácua nesta geografia de 2013, para que prospere o terrorismo, sob o pretexto da "guerra de religiões".
Jornal do Commercio (RJ), 22/2/2013