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Fragmentos de um diário inexistente XV

 

Como o todo pode estar em um pedaço


Reunião na casa de um pintor paulista que vive em New York. Conversamos sobre anjos e sobre alquimia. Em determinado momento, tento explicar a outros convidados a idéia alquímica de que cada um de nós contém dentro de si o Universo inteiro - e é responsável por ele.


Luto com as palavras, mas não consigo uma boa imagem; o pintor, que estava escutando calado, pede para que todos olhem pela janela do seu estúdio.


- O que estão vendo?


- Uma rua do Village - responde alguém.


O pintor cola um papel no vidro, de modo que a rua não pôde mais ser vista; com um canivete, faz um pequeno quadrado no papel.


- E, se alguém olhar por aqui, o que verá?


- A mesma rua - diz um outro convidado.


O pintor faz vários quadrados no papel.


- Assim como cada buraquinho neste papel contém a mesma rua, cada um de nós contém o mesmo Universo - diz ele.


E todos os presentes batem palmas pela bela imagem encontrada.


Em um jornal francês


Leio que abade Arthur Mugnier fora responsável pela conversão ao catolicismo de muitos artistas no seu tempo. Mesmo vivendo numa época moralista, Mugnier procurava lembrar a todos que a idéia central de Cristo é a alegria da redenção, e não as torturas da culpa.


Certa vez o abade foi abordado por uma de suas paroquianas, que - embora já tivesse 75 anos de idade - estava preocupadíssima com os pecados da carne.


- De vez em quando me surpreendo olhando meu corpo nu no espelho. Isto é um pecado?


E a resposta do abade veio rápida:


- Não, madame. Isto é um equívoco.


Olhando o jardim alheio


“Dai ao tolo mil inteligências, e ele não quererá senão a tua”, diz o provérbio árabe. Começamos a plantar o jardim da nossa vida e, quando olhamos para o lado, reparamos que o vizinho está ali, espiando. Ele é incapaz de fazer qualquer coisa, mas gosta de dar palpites sobre como semeamos nossas ações, plantamos nossos pensamentos, regamos nossas conquistas.


Se dermos atenção ao que ele está dizendo, terminaremos trabalhando para ele, e o jardim de nossa vida será idéia do vizinho. Terminaremos esquecendo a terra cultivada com tanto suor, fertilizada por tantas bênçãos. Esqueceremos que cada centímetro de terra tem seus mistérios, e que só a mão paciente de um jardineiro é capaz de decifrar. Não iremos mais prestar atenção ao sol, à chuva e às estações, ficaremos apenas concentrados naquela cabeça que nos espia por cima da cerca.


“O tolo que adora dar palpites sobre o nosso jardim, jamais cuida de suas plantas”.


Cartas ao coração


Em 1993, quando lancei “O Alquimista” nos Estados Unidos, conheci também uma pessoa maravilhosa, Vania Williamson. Agora descubro que está lançando um livro no Brasil, “Cartas ao Coração”, do qual reproduzo um trecho:


“Meu coração: eu jamais te condenarei, te criticarei, ou terei vergonha de tuas palavras. Confio em ti, meu coração. Estou do teu lado, sempre pedirei bênçãos em minhas orações, sempre pedirei para que encontres a ajuda e o apoio que necessitas”. “E te peço: confia em mim. Saiba que te amo, e que procuro dar-te toda a liberdade necessária para que continues batendo com alegria em meu peito. Farei tudo que estiver ao meu alcance, para que jamais te sintas incomodado com a minha presença à tua volta”.


 


O Globo (Rio de Janeiro - RJ) 20/06/2004

O Globo (Rio de Janeiro - RJ), 20/06/2004