Entre nós, brasileiros, é brutal o efeito colateral da revelação do jornalista Bob Woodward de que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, já sabia da gravidade da Covid-19 e dos riscos à população no início de fevereiro, quando ainda havia poucos casos da doença no país, e resolveu minimizá-los para “não causar pânico”.
Trump deu uma entrevista gravada a Woodward, que se celebrizou com a reportagem do escândalo do Watergate, e sua voz admitindo a gravidade da situação deve ter deixado seus seguidores no mínimo envergonhados, especialmente os Bolsonaro, que se dizem tão próximos de Trump e não tinham ideia de que tudo aquilo que era dito não passava de uma maquinação política de um líder irresponsável que sabia exatamente o que estava acontecendo.
"É um [vírus] muito problemático. É muito delicado. É mais mortal até do que as gripes mais duras", admitiu Trump a Woodward em fevereiro. Aqui, no Brasil, em março, Bolsonaro saiu-se com essa: “Depois da facada, não vai ser uma gripezinha que vai me derrubar”.
Trump admitiu na entrevista que já sabia que a Covid-19 não matava apenas idosos: "E agora está se mostrando que não são apenas as pessoas mais velhas [que morrem], Bob. Jovens também, muitos jovens".
Nosso “Trump dos trópicos”, acreditando nas declarações oficiais de seu ídolo, garantia por aqui: “Vão morrer alguns [idosos e pessoas mais vulneráveis] pelo vírus? Sim, vão morrer. Se tiver um com deficiência, pegou no contrapé, eu lamento".
O presidente dos Estados Unidos, em sua campanha para esconder a gravidade do problema, soltou no twitter certa noite uma advertência: "Não podemos deixar a cura ser pior que o problema". No mesmo dia à tarde, Bolsonaro disse a seus seguidores: "Brigar para que não venha desemprego como efeito colateral. Aí vai complicar mais ainda, a cura vai ficar pior que a doença em si."
O afrouxamento das medidas de distanciamento social foi outro ponto coincidente entre nosso presidente, que ignorava os fatos, e Trump que, para não causar pânico, levava adiante medidas temerárias: “Nossa meta é afrouxar as diretrizes e abrir grandes partes do país enquanto nos aproximamos do final desta histórica batalha contra o inimigo invisível”.
Bolsonaro, no mesmo dia, “inspirou-se” em Trump: "O vírus chegou, está sendo enfrentado por nós e brevemente passará. Nossa vida tem que continuar. (...) Devemos, sim, voltar à normalidade. Algumas poucas autoridades estaduais e municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada, a proibição de transportes, o fechamento de comércios e o confinamento em massa."
A defesa da cloroquina aproximou os dois presidentes, mesmo que seu uso para combater a Covid-19 não tivesse o aval nem da Anvisa brasileira nem do FDA americano. “Hidroxicloroquina e Azitromicina, juntos, têm uma chance real de serem uma das maiores transformadoras de jogos da história da medicina”, disse Trump.
Bolsonaro não apenas defendeu o uso da cloroquina quanto tomou o medicamento. Trump também disse que tomava preventivamente, mas não é possível saber até onde vai a verdade e onde começa a mentira. Bolsonaro foi além, mandou o ministério da Defesa usar o laboratório químico e farmacêutico do Exército para ampliar a sua produção de cloroquina.
Missão dada é missão cumprida para os militares, e o Laboratório do Exército gastou R$ 1,5 milhão para produzir cloroquina, ampliando 100 vezes sua produção. E o governo comemorou a doação de 2 milhões de doses de hidroxicloroquina por parte dos Estados Unidos. Só que, dias depois de ter se livrado dos remédios, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Food and Drug Administration (FDA), a Anvisa americana, proibiu o uso emergencial da cloroquina devido aos problemas cardíacos registrados.
Se os americanos estão revoltados com seu presidente, o que dizer do nosso, que seguiu os passos de Trump toda a pandemia e acreditou em tudo o que ele dizia, sem a menor noção do que estava acontecendo. Trump fingiu-se de ignorante para obter benefícios políticos. Bolsonaro é um ignorante convicto.