Gilmar Mendes, que apareceu na vida pública trazido por Collor e, como advogado do governo de FHC, foi pedir aos bispos apoio para impedir a CPI que apuraria casos suspeitos na época, teve a paga pelo serviço: foi indicado para o Supremo.
Na semana passada, julgando um processo alheio, extrapolou sua função de magistrado, considerando a indenização que me é devida um estelionato. Se tivesse algum "saber jurídico notável", exigência da Constituição para um integrante do Supremo, ele deveria acusar de estelionato todos os constituintes de 1988, que fizeram e aprovaram o artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que, no parágrafo 3º, me assegura, bem como a muitos brasileiros, a indenização cujos valores foram calculados pelo próprio texto constitucional.
Regulamentando o dispositivo da Carta Magna, o mesmo presidente a quem Gilmar serviu criou a Comissão de Anistia, que examinou a documentação apresentada pelos meus advogados e aprovou-a, o mesmo fazendo o ministro da Justiça, que, após examiná-la, baixou a portaria 2.946, publicada no "Diário Oficial" da União em 18 de outubro de 2004 e fartamente divulgada pela imprensa. Nenhuma clandestinidade, cenário habitual de qualquer estelionato.
Por coerência jurídica, o ministro deveria estender a acusação não apenas aos constituintes de 88, mas a FHC e aos membros que integram a Comissão de Anistia, presididos por Marcelo Lavanère, um dos dois signatários do pedido de impeachment de Collor, o mesmo presidente que o trouxe para a vida pública.
Estelionatário também seria o ministro da Justiça. E, todos juntos, seríamos réus do crime de "formação de quadrilha". O integrante do STF, ao se manifestar publicamente sobre um processo que não examinou, cometeu um prejulgamento inadmissível, que depõe contra a honestidade funcional de qualquer juiz.
Folha de São Paulo (São Paulo) 18/01/2005