A imagem do menino sírio Aylan Kurdi, de 3 anos, encontrado numa praia turca, náufrago de um barco com outros 11 refugiados, dividiu a imprensa no mundo entre a maioria dos grandes jornais que preferiu publicar a versão menos chocante — a de um policial carregando o corpo — e os que optaram pela foto mais impactante, do corpo de bruços, estendido na areia. No primeiro caso, o argumento para a opção de não publicar foi que a imagem iria ferir a sensibilidade dos leitores e seria um desrespeito à dignidade da família do morto. De uma forma ou de outra, ela provocou um choque de realidade no mundo, sem o qual a Europa, provavelmente, continuaria fechando os olhos para a que é considerada a pior crise de refugiados desde a Segunda Guerra Mundial.
Faz lembrar o que aconteceu há 43 anos, quando a menina vietnamita Phan Thi Kim Phúc, de 9 anos, nua, chorando, fugindo do inferno, com 65% do corpo queimados por napalm, sacudiu a consciência dos americanos já meio anestesiada pela rotina do conflito e com isso ajudou a pôr fim à inconsequente aventura no Vietnã. Phan, vivendo no Canadá com seus dois filhos, se disse envergonhada de ver seu corpo nu exposto para o mundo. Mas ela mesma forneceu o principal argumento para a publicação: “Eu acho que todas as pessoas deveriam ver essa foto, porque ela mostra claramente como uma guerra é terrível para as crianças. Você pode ver o terror no meu rosto. Basta para as pessoas aprenderem”.
Em geral, a palavra suscita reflexão, enquanto a imagem produz reflexo. Nos exemplos da menina vietnamita e do menino sírio, porém, a fotografia exerce as duas dimensões, levando também à reflexão. No manual de jornalismo não existe um item sobre o que fazer em situações como essas especificamente. Fica a critério de cada editor decidir entre o que é choque necessário e o mero recurso apelativo. Nem sempre a escolha é fácil: a obrigação de atrair o interesse do leitor ou espectador é grande e às vezes faz ultrapassar fronteiras.
Quando uma imagem se torna símbolo de uma guerra ou de uma crise humanitária? Por que em meio a dezenas de fotos publicadas diariamente sobre a tragédia dos refugiados, justamente essa do menino foi a que comoveu o mundo? Talvez porque mostrou que aquela multidão que arrisca a vida para fugir do terror e da miséria tem identidade, não é feita de números, são pessoas, são Aylans de várias idades. Esse é o segredo da imagem quando se torna símbolo. Quem sabe a Humanidade tenha despertado para evitar que a cena da praia venha a ser uma alegoria — a do naufrágio do seu futuro.
Apenas o palpite de quem não é nem a Kogut nem o Xexéo. Mas, se for confirmado que o genial Alexandre Nero vai viver um paciente de esclerose múltipla, será um grande momento da nossa teledramaturgia.