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A força de Eliot em português

 

Há 40 anos morria o poeta considerado por muitos o ponto culminante da poesia no século XX. Foi T. S. Eliot (1888-1965). Eu o chamaria de poeta mais importante de seu tempo.


A palavra "melhor", no sentido absoluto, significando qualidade ou seja o que for de intrínseco a marcar uma obra, não me parece apropriada. Melhor, no século, poderia ter sido Pound. Mas também Rilke. Ou Valéry. Ou Lorca. Ou Pasternak. Ou Kazantzakis. Ou Cafaty. Ou Claudel.


Ou, na língua portuguesa, Fernando Pessoa e Jorge de Lima, dependendo do ângulo observado ou da possibilidade real de se aferir do peso de uma poesia em idiomas diferentes e de alcance não mensurável. O claro, no caso de Eliot, foi sua importância no mudar os rumos da poesia de sua época até hoje.


Era Thomas S. Eliot do tipo intelectual, não do sensorial. Nem do visual. Ou do visionário. Mesmo suas visões poéticas nada tinham de ímpetos no estilo de William Blake. Ou de ligação com Rimbaud. Ou Hopkins. Ou qualquer dos poetas que Robert Graves colocava no ápice da classe. Intelectual e cerebral, o domínio das palavras em Eliot chegava muitas vezes ao abstrato.


Daí o não ter sido, pelo menos durante algum tempo, muito popular nos meios culturais de um país como a Inglaterra, em que o "high-browismo" é instituição. Norte-americano que se naturalizou inglês, ninguém foi mais inglês do que ele. Bibliotecário e chefe de biblioteca, sua permanente presença em meio de livros ia ao ponto do pormenor, do amor ao volume bonito, à bela impressão, ao objeto com existência própria.


Mesmo altivo, afastado, encastelado, ajudou a mudar a poesia do século. Sentiu a influência de Pound - e poucos poetas daquele século estiveram dela imunes - mas Pound se colocou ainda mais longe do homem comum por não fazer concessões. Eliot fazia-as. Sem o sentir. Por ser inglês.


E, portanto, bem comportado. Não que estivesse comprometido com o bom-mocismo. Não. Não estava. Mas possuía o senso da medida, característico da sociedade inglesa, e a correção da sobriedade. Era, assim, natural que a Inglaterra o transformasse no poeta nacional inglês de sua época.


O desabrido desafogo de movimentos mais revolucionário, normais no século XX, chegaram diminuídos a Eliot. Sua revolução era grande, mas conservava a marca da tradição. Talvez por isto haja ido mais longe. Por não se desligar de uma linhagem, de uma linguagem, de uma estirpe.


Estive com Eliot em Estocolmo. Era dezembro de 1950, na comemoração dos 50 anos do Prêmio Nobel. Dois premiados recebiam a láurea naquela festa: William Faulkner por 1949 e Bertrand Russel por 1950. Eliot era convidado para o cinqüentenário do prêmio, juntamente com outros por ele galardeados (Eliot conquistara o Nobel de 1948).


Quando conversamos, o tom de asceta de seu rosto concordava com o teor de sua obra. Só achou graça e sorriu, quando lhe disse que, na minha opinião, até a poesia de língua inglesa de poetas africanos seguiam sua linha, acentuei que esta influência era visível em poemas de Okeigbo e Wole Soyinka (mais tarde, também Soyinka receberia o Nobel).


Agora, no quadragésimo aniversário de sua morte, a poesia completa de Thomas S. Eliot sai em tradução brasileira. Fê-la o poeta Ivan Junqueira, e de tal modo que se pode sentir toda a força eliotiana, uma força visceralmente jogada nas palavras, nos versos em português que o poeta brasileiro reconcebeu.


Para citar apenas um dos conjuntos de versos que Ivan nos entrega, chamo a atenção para os "Quatro quartetos", em que os versos em português do tradutor entram em nós com a força de um rio destruidor. O começo de "The dry salvages" diz: "Não sei muito acerca de deuses, mas creio que o rio/ é um poderoso deus castanho". E o mar: "O mar tem muitas vozes, / Muitos deuses e muitas vozes."


O vigor do verso inglês de Eliot mantém sua força nos versos de Ivan Junqueira, que se mostra um severo, severo e claro, dominador do vocábulo poético em língua portuguesa. O impulso apocalíptico dado por Eliot aos seus "Quatro quartetos" se fixa em três versos, que não estão juntos, mas cobrem todo um universo de significados. Começa com "Esta é a morte do ar", para prosseguir com "Esta é a morte da terra" e terminar com "Esta é a morte da água e do fogo".


A edição bilíngüe de toda a poesia de Thomas S. Eliot, feita por Ivan Junqueira, é um lançamento da Arx. Editora geral: Ana Emília de Oliveira Silva. Editora literária: Carla D. Fortina. Editora editorial: Josie Rogero. Capa e produção gráfica de Daniel Rampazzo.


 


Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro) 22/03/2005

Tribuna da Imprensa (Rio de Janeiro), 22/03/2005