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A força da arena acadêmica

 

O gesto de premiar, que nos premia também, pois, como ensinou Nabuco, nós somos quarenta, mas não somos os quarenta. É meritório reconhecer os valores que não são os da casa. Isto, mais que uma obrigação ética, é uma satisfação para os acadêmicos. Anotemos que entre os premiados há valores de muitos brasis e de diferentes gerações, selecionados em votação nas comissões e no plenário, a partir de pareceres subscritos por acadêmicos. Isto, em relação ao gesto de premiar.


Já as palavras foram as do historiador de expressão internacional José Murilo de Carvalho, por todos nós muito estimado e a quem admiramos na excepcionalidade da sua obra feita de critério, de descobertas, de precisão, de qualidade no estilo, enfim, uma obra ao mesmo tempo marcada pela beleza e pelo rigor da ciência. Ele foi o orador oficial.


Ao falar, desejei apenas, no cumprimento do dever presidencial, e com as limitações da semi-invalidez, nada além disso, dizer que a festa de aniversário da Academia Brasileira de Letras não tenciona, de modo algum, restaurar o passado para o futuro, nem é um retorno à busca duma manhã de nevoeiro ao estilo sebastianista.


Mas não custa nada cuidar da imaginação do futuro. É o que fazemos todos os dias, já que à academia também compete realizar destinos.


Moderna e dinâmica nos processos de se programar e de funcionar, a Academia abrange iniciativas condizentes com essa modernidade e esse dinamismo, mas sem perder os fundamentos da tradição que nos mantém de pé.


E tudo isto acontece ao investigarmos e operarmos a cultura. Sem cessar. Com amor e total dedicação.


Daí porque é de se reconhecer que a nossa arena acadêmica é uma praça de cordialidade e civilização. Sempre evitamos caminhos enganosos que podem começar largos, mas que acabam invariavelmente estreitos.


Temos razão para essa crença, inclusive no momento em que, no mundo dito mais desenvolvido, a cultura passa a ser vista como fator estratégico, a distanciar-se da categoria do supérfluo. E há motivos para tanto. Informações recentes dão conta de que no Reino Unido o emprego na cultura cresce 2% e só 1% no restante da economia, a riqueza gerada avança 5% contra 5% nos demais seguimentos. E esses efeitos têm correlação vária: onde estações do metrô destinam mais espaços a artistas pobres do que ali? Onde o Parlamento Nacional discute a ação de cambistas com igual peso que os problemas de saúde e de educação?


Rodrigo Pinto, com zelo de analista, ainda de Londres chama a atenção para o fato de que o “Sunday Times” tem suplementos dominicais de arte com 80 páginas. E arremata: “Se quisermos conjugar democracia, crescimento sustentável e distribuição de riquezas (materiais e intelectuais) teremos que avançar muito em mídia, games, moda, artes cênicas, cinema, artes plásticas, casas de espetáculo, literatura, música, galerias, museus.”


Em nosso canto modesto, ativa no seu modo de ser contemporânea, a Academia Brasileira de Letras manifesta-se de acordo e assim o faz.


Alberto Venancio Filho, em ensaio brilhante que está escrevendo a propósito de Nabuco e a nossa Academia, destaca no discurso de Machado de Assis assumindo a Presidência, a recomendação dele de que se exigirá de nós compreensão pública e constância, zelo pelas funções de estabilidade e progresso.


Nabuco ainda exigiria de todos nós senão a fé, nunca menos que a boa fé. A perpetuidade se alcançará pela verossimilhança, por mais que inverossímil pareça o nosso papel. Afinal de contas, Nabuco esperava que o nosso papel se densificasse ao atingirmos, pelo convívio com os mistérios, a solenidade e a antiguidade.


Creio que os 113 anos que então registramos já explicam e justificam o que somos, uma gente com o atormentado vício de pensar.


Quem sabe contar histórias, cria universos.


Mas, nos comigos de mim, sublinhando estímulos ao trabalho, insisto em repetir o poeta de sempre e os navegadores portugueses do século 15. Do primeiro, repito: naveguemos mais se vê, dos segundos repito: há mais marés que marinheiros.


Jornal do Commercio (RJ), 27/7/2010