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Fome de paz tem pressa

 

São dois personagens importantes anunciando uma boa notícia, talvez a melhor dessas últimas semanas. O primeiro foi o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, secretário-executivo do novo Ministério da Segurança Pública, afirmando que o sucesso da intervenção federal não depende só da desarticulação das quadrilhas de traficantes, mas de investimentos em ações sociais. Em seguida, foi a vez do secretário de Segurança, general Richard Nunes, defendendo o fim dos confrontos e prometendo que os militares farão ações sociais nas comunidades.

O que esses discursos têm em comum com os de José Mariano Beltrame, responsável pela segurança do Rio por cerca de dez anos? A mesma preocupação. No auge das comemorações pelos efeitos inicias das UPPs, seu criador recomendava cautela e advertia que a reconquista do território aos bandidos era indispensável, mas como primeiro passo, não como solução. Ele achava que a razão da existência das UPPs era “criar um terreno fértil para a geração de dignidade” nas favelas e periferia, e essa era a medida que de fato garantiria o sucesso do projeto, “não apenas a presença da polícia”. Até se cansar e dizer adeus, Beltrame cobrou a presença de outros serviços como Cedae, Light, CET-Rio para complementar o que propunha, uma “invasão de cidadania”. Declarava-se feliz pelas 21 mil vidas salvas, referindo-se à queda do número de homicídios durante o tempo em que comandou as operações de pacificação em 38 comunidades. Mas mostrava-se angustiado com a fase “pós-UPPs”.

É louvável que os novos responsáveis pela segurança queiram aproveitar a experiência de Beltrame, cujo exemplo pode lhes ser muito útil. Mas não basta a vontade. O caminho entre as intenções e a prática é cheio de obstáculos. Já nos anos 90, Betinho pedia a tal “invasão de cidadania” e promovia a maior campanha popular em torno de uma causa, a Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e Pela Vida. E diante das alegações do governo de que o combate à recessão iria reduzir a pobreza e a insegurança alimentar, ele perguntava: “Tudo bem, mas e enquanto isso? Vai pedir a uma pessoa de barriga vazia que espere o fim das desigualdades” Foi quando pronunciou a famosa frase: “Quem tem fome tem pressa”.

É hora de parodiá-lo. Vai pedir paciência ao trabalhador que não consegue dormir por causa do barulho dos tiroteios e nem pode sair de casa para atravessar o campo de batalha no dia seguinte na hora de ir para o trabalho. Quem tem fome de paz também tem pressa.

O Globo, 07/03/2018