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Finalmente, um partido conservador

 

A candidatura Alckmin perdeu, definitivamente, a velocidade de escape e começa a ser empurrada para debaixo do tapete em várias campanhas estaduais. A melhora esporádica em percentuais compensa-se com a queda, esta, sim, prematura de Heloísa Helena, perdendo os dois dígitos. O desfecho da campanha fortalece o Brasil profundo, de par com a desmoralização objetiva - e inquietante - do poder legislativo e inclusive em parcela significativa do que foi a contaminação da primeira geração petista trazida ao poder, suas benesses, suas tentações, ou seus riscos calculados.



Inquieta o quanto o partido de Lula que não logrou renovar o seu plantel de escolhas representativas, mesmo que a crise permitisse a renovação interna dos seus quadros, num exercício de crítica e autocrítica que esperaram as parcelas de seu eleitorado, ainda lindeiras do arranco original de Lula.



O novo governo não encontrará o PT como partido dominante e recorrerá dobradamente a realpolitik de constituição de uma maioria operacional. E redobrando as dificuldades dos adesismos, nascidos das clientelas, ou dos pactos pecuniários, deparará a posição estratégica do PMDB na condução deste processo, como que condenado à política de mudança tanto o PSDB soldou-se ao PFL como as legendas do minguante conservadorismo nacional.



É nesta mesma medida que a nova investidura de Lula se apoiará na opção de base que cauciona o sentido da reeleição. O presidente não terá mais a mediação imediata de suas maiorias anteriores. No vácuo do PT crescem a presença dos sindicatos - e a tentação do Estado sindical - e dos movimentos sociais, deixados à ilharga no primeiro mandato pela sua passagem à institucionalização - para muitos, prematura - das conquistas das Ongs. Foi o resultado do trato do problema das minorias, à margem das efetivas pressões sociais que lhes outorgassem efetiva prioridade nas realizações do governo.



A reeleição defrontará o começo de uma mobilização política que será o resultado natural, ao mesmo tempo, do impacto das políticas do minicrédito, do auxílio à agricultura, e de seu avanço tecnológico, mas, sobretudo, do novo estímulo à produção familiar, onde hoje se registra a maior dinâmica de um salariado brasileiro no seu quadro assumidamente informal. Com efeito, os reforços de suporte, e os prazos de paciência com o novo governo Lula, surgirão da inversão criadora nas políticas de benefício ao Brasil de fora, nas etapas de atendimento aos sem-crédito para sucessivamente responder aos sem-terra, e finalmente aos sem-emprego.



Não temos precedentes de como a reação a estas prioridades e o levante das consciências políticas dos beneficiados volverão após a reeleição. Nem, sobretudo, de que forma o novo potencial reivindicatório se exprimirá diante do colapso das mediações anteriormente imaginadas entre movimentos sociais, sindicatos e partidos políticos. Mas é claro que a nitidez da investidura do segundo mandato nasce sempre dentro daquele sentimento mais profundo da "virada de página", da visão definitiva de que o risco de Lula não se compara com o temor de retorno à situação anterior no que afinal a pretendida social-democracia do PSDB, o pefelismo, à marca tradicional da vida política maquiada pelo reformismo cutâneo, e hoje conformado com a redundância do seu discurso.



O debate dos cenários da reeleição começa a partir da solidão de Lula no poder, sem o PT e sem herdeiros, confrontando, como novos fortins do status quo, as governanças dos maiores Estados do país. Ao mesmo tempo, esta busca de novas maiorias importará na convivência com o PMDB, na conversão do partido do Dr. Ulysses, numa força, pelo menos ancilar, da opção de mudança, expulsando-o da condição de partido oligárquico tradicional, repartida com o pefelê.



A tarefa é facilitada pela ocupação, desde já, desta parceria do imobilismo pelo PSDB. Este terá que decidir, a prazo curto, se aceita ou não a liderança do conservatismo brasileiro com toda a sua nitidez, e o que seja uma primeira composição ostensiva do remanescente das forças e interesses do porão do status quo. Iremos, enfim, a meridianos claros, frente à escolha de base do Planalto.



A pecha de anticlímax, emprestada ao primeiro semestre de 2006 pode continuar na abertura do novo mandato. Mas já liberado da cinza e da desmoralização dos denuncismos moralistas, a reeleição sem retórica colhe os resultados deste novo alinhamento da nossa consciência cidadã, a partir dos neo-aquinhoados com a mudança, e não do efeito mimético das cúpulas do país instalado, suas insatisfações, impaciências e ideologias.



Muito da consolidação do novo governo se beneficiará, neste anticlímax de somatório, quase pedestre, de resultados, no seu tempo de maturação, muitas vezes esquecido, frente às agendas da opinião pública e suas condenações. A prática tem vigências sem escape, ao contrário da utopia e suas retumbâncias. E a mudança se mede mais pelo que aposenta do que pelo que anuncia. A oposição está aí mais disciplinada e nítida, como quem conta seus trunfos regressivamente. O caminho à frente sabe por onde ir, por entre nomes e sortes lançadas, de abominação como de desencanto. É o de Lula, apesar de Lula.


 


Jornal do Commercio (Rio de Janeiro) 08/09/2006

Jornal do Commercio (Rio de Janeiro), 08/09/2006