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Filhos, melhor não tê-los?

 

Administradores modernos bolariam um cálculo de custo-benefício para responder se vale ou não a pena ter filhos. Mas é algo que só pode ser respondido com a maternidade e a paternidade. Ou seja: correndo o risco


Vinicius de Moraes era conhecido entre amigos e fãs como "o poetinha". Diminutivo carinhoso, que nada tem a ver com a qualidade de sua obra literária: Vinicius era, e é, um grande poeta, autor de versos antológicos, como aqueles que se constituem num surpreendente e desafiador paradoxo:


Filhos, melhor não tê-los.


Mas, se não os temos, como sabê-lo?


Observem o contraste entre os dois versos. No primeiro, Vinicius faz uma afirmativa categórica: "Filhos, melhor não tê-los." É algo que pode ter resultado, em primeiro lugar, de uma experiência pessoal. Casado várias vezes, Vinicius teve muitos filhos. E teve também uma vida atribulada, cheia de conflitos de várias ordens. Diplomata, era mal visto por seus superiores em função da vida boêmia que levava e que parecia incompatível com a dignidade do ofício. Acabou perdendo o cargo, o que deve ter resultado em muitas dificuldades financeiras. Não é a melhor situação para um pai de família e provavelmente não foram poucos os conflitos que daí resultaram. Mas quando afirma que "Filhos, melhor não tê-los", Vinicius certamente não se restringe a seu próprio caso: está verbalizando, e de uma maneira que nem é tão poética, aquilo que muitos pais sentem quando se sentem assoberbados pelas obrigações resultantes da paternidade. Quando o filho chora de noite, quando o filho vai mal no colégio, quando o filho cria confusão, "Filhos, melhor não tê-los".


Mas esta não é uma afirmação definitiva. A paternidade dá incontáveis alegrias. Mais: a paternidade e a maternidade conferem às pessoas um sentimento de realização pessoal que corresponde a uma necessidade embutida na própria condição humana, a um verdadeiro e poderoso instinto. Paternidade e maternidade significam continuidade. Afinal, é bom ou é ruim ter filhos? Notem que o primeiro verso é uma afirmação que se pretende definitiva: filhos, nem pensar, filhos só dão trabalho - há muitos provérbios que o traduzem, como aquele que diz: "Filhos pequenos, pequenas preocupações; filhos grandes, grandes preocupações."


Administradores modernos bolariam algum cálculo do tipo custo-benefício para responder à questão do vale ou não a pena. Mas o comum das pessoas não chega a esses extremos. O resultado é a dúvida. Que só pode ser esclarecida com a própria paternidade e com a própria maternidade. Ou seja: correndo o risco. Porque a vida é isso, correr riscos. Quem não se arrisca não apenas não petisca: não vive.


Paternidade e maternidade correspondem a um instinto, a algo inato, biológico. Só que o ser humano não é apenas biologia, não é apenas instinto. O ser humano tem a capacidade de transformar seus instintos, de sublimá-los, para usar a expressão freudiana. E assim podemos compreender os casais que decidem não ter filhos. Eles sufocaram os instintos paterno e materno? Em alguns casos, talvez sim. Em outros, e esses são cada vez mais freqüentes, trata-se de aplicar essa energia emocional de maneira distinta. Conheci médicos que não apenas não tiveram filhos como não casaram; mas a dedicação que eles mostravam a seus pacientes sem dúvida representava uma canalização dos sentimentos habitualmente envolvidos na vida familiar.


A interrogação formulada por Vinicius continua atual. E cada pessoa, cada casal, responde à sua maneira. O que devemos aceitar. Somos humanos, e nada do que é humano pode nos parecer estranho.


Zero Hora (RS) 30/3/2008