Fidel Castro foi o herói e o anti-herói de uma geração, a esperança e a decepção, a utopia e a distopia, Deus e o diabo. No meu caso particular, foi também a maior frustração profissional. Tudo aconteceu em 1995, quando Rubem Fonseca e eu estávamos em Havana como membros do júri do Prêmio Casa das Américas, e um dia fomos convidados pelo “Comandante” a visitá-lo em palácio. Recebidos por ele na entrada, um assessor ia nos apresentando até que, ao chegar a vez do nosso romancista, anunciou: “Comandante Fidel, aqui o comandante Fonseca”.
Rubem era uma celebridade em Cuba, e não se sabe por que tinha esse apelido. O verdadeiro Comandante disse então que já tinha ouvido falar dele e fez questão de tirar uma foto junto. A noite prometia, e a descontração me permitiu uma ousada proposta: “O senhor não daria uma entrevista para nós?”. Para surpresa do cordão dos puxa-sacos, que tentou abortar a ideia, ele topou e nos levou para um canto: Rubem, eu, um colega argentino e outro inglês (claro que eu tinha levado o gravador).
Fazendo uso da igualdade de patentes, o nosso comandante iniciou a conversa com uma pergunta meio indiscreta: “Quantos filhos tu tens?” O entrevistado não gostou: “Já perdi a conta. Mas todos foram registrados”, respondeu com uma certa irritação. Depois relaxou e falou várias vezes do que parecia ser sua obsessão do momento: ganhar dinheiro com direitos autorais. Reclamou que vivia com 20 dólares e era explorado. “Se os desenhos de Picasso são vendidos, por que não posso vender minhas fotos?”. Não se equiparava apenas ao gênio espanhol, mas também invejava o amigo Gabriel Garcia Márquez, que, segundo ele, estava “mais rico do que Rockefeller”.
Em seguida, revelou que não ia ao cinema havia dez anos, dormia apenas quatro horas e lia muito, inclusive Shakespeare. Não jantava e às três da madrugada comia qualquer coisa. Quanto à saúde, ia muito bem. Sua pressão era de 12 por 7, com pulsações normais, bom ritmo cardíaco e uma ótima forma física, que lhe permitia dez minutos de flexões abdominais por dia. O segredo era o que recomendava a Rubem: “Tu tens que tomar o PPG, eu tomo há quatro anos. Não é bom apenas para aumentar o apetite sexual, é bom também para a memória”. Era um produto natural cubano para reduzir o colesterol e que, se fosse tão eficaz, teria sido uma fonte de riqueza para o país, já que fora descoberto bem antes do Viagra.
Fidel falou por mais de duas horas e eu, o único jornalista brasileiro a gravar a entrevista, antevia o furo de reportagem que ia dar, quando o assessor presidencial, para meu espanto, tomou a fita de volta; nada do que fora dito ali podia ser publicado. “O Comandante não autoriza”. Quer dizer, se ele censurava a própria fala, imagina a dos outros.