No início do século 20, o Rio permanecia o mesmo dos tempos derradeiros do império. A República mal completara sua primeira década -e na austeridade própria dos regimes que decidem instaurar uma nova era, quase nada ou nada se fazia pela cidade, ex-capital de um reino e do império e, sempre, uma aldeia de feição colonial, mesquinha, suja.
Tirante os primeiros momentos da vinda da corte de dom João VI, quando alguma coisa foi feita para tornar a cidade mais habitável, o Rio progredia sem planejamento nem verbas.
Os visitantes ficavam duplamente espantados: com a beleza da natureza, montanha e mar formando um conjunto que não encontra equivalente em nenhuma outra parte do mundo, e a sujeira, a falta de higiene, de conforto, daquele mínimo de decência urbana.
Habitada por remanescentes da nobreza imperial, enriquecida pelos privilégios da corte de São Cristóvão e por senhores do café e dos engenhos de açúcar, o Rio continuava sendo "a corte", embora a República, numa de suas providências iniciais, tivesse rebaixado a cidade para o feio nome de "capital federal".
Uma nova classe sobrepunha-se à antiga, de feição feudal: surgia o funcionário, novos hábitos deslocavam o eixo social. São Cristóvão deixava de ser o bairro nobre, a nascente burguesia descobrira o litoral e o botafogano (morador de Botafogo) era o vértice da pirâmide urbana.
No seu centro propriamente dito, o Rio continuava com a rua do Ouvidor, empoeirada, mas esforçada, e o clima geral, tanto o da cidade como o de seus moradores, era o de tentar ser uma réplica de capital europeia.
Da mesma forma que a classe política copiava os padrões liberais dos EUA, o resto da sociedade copiava os padrões da moda e do estilo de vida de Paris. Complexo do Alemão, Rocinha e Vidigal estavam longe ainda.
Folha de São Paulo, 4/12/2011