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Ficar igual ou mudar

 

No último domingo, ninguém perdeu nada; nossa maior meta era a democracia, e ela foi respeitada

E agora? Agora está na hora de encerrar as dúvidas, escolher um candidato que será definitivo por quatro anos. O que aconteceu no primeiro turno não interessa mais, já votamos nele e agora temos que escolher o candidato definitivo de nosso gosto. Tudo isso até o dia 30 de outubro, quando a coisa se encerra de vez.

Os eleitores de Bolsonaro não foram surpreendidos, duvido que a grande maioria deles já não esperasse resultado semelhante. As urnas eletrônicas não deram o que falar, ninguém reclamou de nada, vencedores e vencidos só tiveram que pensar em como atrair mais votos para garantir a vitória ou virar o jogo. Uma aspiração democrática, perfeitamente dentro do que permitem as regras do regime e seu sistema de escolha. Ou eleição.

A oposição não perdeu a eleição, como parecia logo que se anunciou a primeira tendência da apuração. Pelo contrário, Lula manteve os votos que se esperava que ele tivesse, cerca de 50% do total de eleitores. Mas se realmente tivesse perdido, com aquele primeiro resultado, que é que tem? A regra do jogo não garante a escolha do vencedor, antes da apuração.

Fora a frustração de quem havia votado nos derrotados, todos nós tínhamos certeza de que as coisas haviam decorrido como era necessário que decorressem, sem disputas medíocres entre candidatos e eleitores, sem brigas, sem confusões indevidas, sem situações impróprias para uma eleição democrática de verdade. Sem a tal polarização! Em suma, nesse domingo, ninguém perdeu nada. Nossa maior meta era a democracia, e ela foi respeitada nos detalhes. Quem quiser ganhar o que a eleição lhe dá o direito, que consulte o eleitor.

Para ganhar essa parada, temos que conquistar o voto das pessoas e não sua simples simpatia ou esperta habilidade. Temos que ganhar seu desejo, o mesmo que ganhou votos para Renata Souza e Henrique Vieira, dois outsiders eleitos deputados por seus admiradores e, quem sabe, seguidores do que dizem e fazem.

Lula começou a conquistar os votos de políticos que podiam estar do outro lado mas que estão com ele, como FH, Helder Barbalho e Carlos Lupi. Ou de seus ex-concorrentes, como Simone Tebet. Ou ainda de técnicos que já estiveram brilhando em outras administrações, como Arminio Fraga, Edmar Bacha, Pedro Malan ou Persio Arida. E sempre em nome da luta pela democracia e pela inclusão social.

Quase todos os cineastas e cinéfilos brasileiros de nossa geração sempre curtimos muito o filme de Luchino Visconti, “Il Gattopardo”. Baseado no romance de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, escrito na primeira metade do século XX, sempre insistimos em chamá-lo de “O Gatopardo”, uma tradução livre e imperfeita do que seria “O Leopardo”, talvez para melhor podermos citar à vontade o que achávamos que tinha tanto a ver com nosso país. No romance e no filme, por exemplo, citávamos sem parar a fala do nobre político que explicava a decadência da aristocracia siciliana, durante o Risorgimento: “Mudar para não ter que mudar nunca.”

Hoje vejo que não é isso o que devemos desejar para o Brasil. Com certeza. E vamos em frente, até o dia 30, confiando no pessoal que vota e no que é votado.

O Globo, 09/10/2022