O temor de que a sucessão de escândalos no governo e no PT, na vida pública em geral, resulte numa pizza monumental tem precedentes ilustres e se explica pela própria natureza dos fatos -que deixam de ser instantâneos e se prolongam em desdobramentos, porões e grotões, ramificando-se de tal maneira e com tal intensidade que o núcleo perde importância e oportunidade.
Gosto de lembrar um exemplo que já citei em outras situações. É a de Tartarin de Tarascon, personagem do romance de Alphonse Daudet. Ele ameaçava ir caçar leões na África, comovendo e espantando os habitantes de sua cidade.
Tartarin comprou um equipamento especializado, no Clube de Caçadores inventariava os riscos que enfrentaria e o sucesso que conquistaria. Todos comentavam, todos se sentiam comprometidos com a aventura de Tartarin, mas o tempo ia passando e Tartarin não partia.
Até que um dia, sem combinação prévia, por fadiga do assunto, todos acharam que Tartarin já havia partido, caçado terríveis leões na África e retornado para Tarascon em glória. Com o tempo, o próprio Tartarin acreditou que havia ido e que caçara muitos leões. No Clube dos Caçadores, todas as noites contava os perigos que enfrentara e as vitórias que alcançara.
É o que começa a acontecer com a opinião pública diante dos descalabros que estão na agenda nacional há mais de três meses. Daqui a pouco, vamos acreditar que tudo foi resolvido, o dinheiro, devolvido aos cofres públicos, os culpados, punidos.
Acho que não havia pizza no tempo de Tartarin. E a pizza servida aos habitantes de Tarascon era outra, embora fosse a mesma que agora tememos e que está no forno, sem data para ficar no ponto, mas em processo irreversível.
Só lamento que a gostosa e perfumada criação dos napolitanos sirva de metáfora para o que está a caminho. Pela quantidade de ingredientes, quase todos exóticos, acho que o vatapá e a feijoada seriam mais adequados.
Folha de São Paulo (São Paulo) 12/10/2005