Mesmo em época de despudor generalizado e condutas públicas inescrupulosas, Marcelo Crivella conseguiu se destacar, atraindo críticas, três pedidos de impeachment já protocolados na Câmara dos Vereadores, investigação do MP e o repúdio do Cremerj (Conselho Regional de Medicina do Rio), “pelo desrespeito a milhares de cidadãos que estão na fila aguardando cirurgias e outros procedimentos”. Como O GLOBO publicou, o prefeito reuniu secretamente no palácio 250 fiéis e pastores evangélicos para lhes apontar o caminho fácil de privilégios indevidos.
Para isso, é “só procurar as pessoas certas na prefeitura”, ele recomendava. “Se os irmãos tiverem alguém com catarata, falem com a Márcia, e daqui a uma ou duas semanas estarão operados”. Se o problema for de varizes, a receita é um tratamento moderno: “injetar na veia uma espuma medicinal que fecha a ferida, uma benção. Nesse caso, também, por favor, falem com a Márcia.”
Quanto à vasectomia para os homens, “estamos zerando a fila”, informava o pastor, recomendando: “É muito importante os irmãos ficarem com o telefone da Márcia ou do Marquinhos porque às vezes ocorre um imprevisto”.
Isso para a saúde. Para pastores com problemas de IPTU, a recomendação era outra. Embora as igrejas estejam isentas, “se você não falar com o doutor Milton, o processo pode demorar e demorar”. O prefeito apresentou a seguinte justificativa para esses desvios: “Nós temos que aproveitar que Deus nos deu a oportunidade de estar na prefeitura para esses processos andarem. Temos que dar um fim nisso”.
Autor de um dos pedidos de impeachment, o vereador Átila Nunes defende a “apuração de crime de responsabilidade e infração político-administrativa” de Crivella, requerendo “que ao final seja decretado o impeachment do prefeito” e a “sua inabilitação para exercer função pública pelo prazo de oito anos”.
Mais grave, porém, é que, sem saber que estava sendo gravado, ele revelou o que sempre escondeu: que faz parte de um projeto político-religioso, ou um “Plano de poder”, para citar o livro de seu tio, o bispo Edir Macedo, fundador da Igreja Universal.
Na tal reunião com seus pastores e fiéis, Crivella adiantou seu projeto: “Nós temos que mudar esse país. É um sacrifício grande a gente estar na política, mas não podemos fugir, porque só o povo evangélico pode mudar esse país. Entre nós não há corrupção. Nós somos a esperança. Pegamos a oferta do povo, levamos ao escritório, contamos tudo e construímos igrejas. É esse Brasil evangélico que vai dar jeito na pátria”.
É o que sempre pregou seu tio: “para que o grande projeto de nação pretendido por Deus se realize, é preciso mexer com a política sem pudor”. E — pelo que se viu — sem escrúpulos.