É raro o dia em que, ao abrir a caixa eletrônica, não encontre, ao lado de esculhambações diversas e merecidas, o pedido de gente aflita, recorrendo ao cronista em busca de uma solução para as coisas que estão acontecendo no Brasil e no mundo.
Gente mal-informada, mas não custa atendê-la. Aprendi no "Grande e Verdadeiro Livro de São Cipriano" uma receita para momentos calamitosos como o atual. É necessário não confundir as bolas e os livros. Há o "Livro de São Cipriano", que é sucinto, embora eficaz. Há "O Grande Livro de São Cipriano", um pouco maior e de mais vasto alcance. Há ainda "O Verdadeiro Livro de São Cipriano", que tem sobre os demais a vantagem de ser mais confiável.
Nenhum deles, contudo, se compara ao meu, que, além de ser livro, ser grande e ser verdadeiro, é "O Grande e Verdadeiro Livro de São Cipriano". Contém os demais e contém a fórmula mais consagrada das receitas que fizeram o santo famoso, embora sua existência real, como a dos extraterrestres que são gasosos por natureza e necessidade, seja admitida por uns e contestada por outros.
Após o necessário preâmbulo, vamos à Grande Mágica das Favas, publicada não faz muito na página dois da Folha e que transcrevo junto à informação que me enviou leitora talvez desesperada como eu.
"Pega-se meia dúzia de favas, verdes ainda, coloca-se num tacho de cobre com duas corujas defumadas, uma raiz de salgueiro bravo, cinco dúzias de cantáridas, grãos de incenso indiano à vontade e, como peça de resistência, um corcunda passado num ralador de coco.
O mais difícil é o último ingrediente, convencer um corcunda a ser ralado deve ser problemático, mas há um benefício suplementar: quanto mais o corcunda berrar, maior será a eficácia da mágica. Outro ingrediente complicado é colocar na mistura um fio da barba de algum personagem envolvido na questão. Neste particular, a oferta é abundante, temos gente barbada demais por aí, dentro e fora dos diversos escalões da República.
Isto posto, derrama-se o conteúdo numa encruzilhada, à meia-noite de uma sexta-feira, e espera-se o resultado. São Cipriano garante que o esconjuro é eficaz. A Grande Mágica das Favas são favas contadas. Tudo se resolve e o que não for resolvido, resolvido está, pois nada mais é possível resolver. Acho que atingimos este ponto, não de desespero, mas de esperança. Acreditar no maravilhoso é preciso. Pelo menos, é mais prático do que acreditar nos depoimentos, nas acusações disso e daquilo e, sobretudo, na promessa de que tudo será apurado, doa a quem doer."
Recebi esta semana a seguinte mensagem:
"Caro senhor Cony (em tempo: não sou caro, senhora, sou barato mesmo):
Dei início, por absoluta necessidade, ao procedimento da receita "Grande Mágica das Favas". Tendo o circunspecto colunista (muito menos sou circunspecto, nem sei direito o que seja isso) já a mencionado mais de uma vez, deve ser uma receita eficaz, talvez a última alternativa para nós, brasileiros desesperados e mal informados. Há de haver uma solução!
As favas, contadas, foram complicadas de achar -s ão produto ora raro nos supermercados e shoppings da vida -, mas deu-se um jeito.
As corujas, entretanto, implicariam em crime contra a natureza. Foi preciso autorização especial do Ibama, após comprovação documentada de que eram resultado de criação controlada para consumo. Ufa! Defumá-las foi o de menos.
Quanto à raiz de salgueiro (bravo?!), às vesicatórias cantáridas e aos grãos de incenso indiano, demandaram tempo e esforço, mas nada que dinheiro e o bom jeitinho brasileiro não resolvessem. O conceito de bom, no caso, é muito discutível.
O corcunda - ah, o corcunda! Depois de muita negociação, rodadas e rodadas de cerveja, argumentação convincente de ambos os lados, ele, com a voz boêmia dos noctívagos não-abstêmios, convenceu-me por A mais B de que a receita está errada: deve-se ralar apenas a corcunda, não o corcunda. E saímos ambos em vantagem, madrugada afora, à procura de um bom cirurgião plástico. Quanto aos berros, garantia de eficácia da mágica, dispôs-se o geboso senhor a ralar a ignóbil bossa, enquanto (prometeu-me) faria soarem os mais altos gritos de que fosse capaz.
Tudo providenciado, encruzilhada escolhida, data e hora marcadas, lembrei-me em tempo do imprescindível e derradeiro ingrediente, o fio de barba do personagem devidamente implicado na questão. E aí foi que a receita desandou. Os que eram do ParTido apressaram-se todos, dadas as circunstâncias, em raspar a barba. Alguns barbudos renitentes, quando interpelados, juraram sem exceção serem PDS desde pequenininhos.
Portanto, tem esta o objetivo de solicitar ao caro colunista, freqüentador contumaz de rodas sociais e políticas com personalidades as mais variadas, o envio, se possível e sem demora, de um fio de barba legítimo e confiável.
Antecipadamente grata, (a) Rosa Maria de B. Fabri Mazza".
Folha de São Paulo (São Paulo) 17/2/2006