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A farra como desforra

 

Acusado de usar a crise financeira como pretexto para cortar verbas das escolas de samba, prejudicando assim os desfiles, o prefeito vai pagar por isso, pois deve ser o maior alvo das críticas políticas do carnaval carioca. Na primeira e única noite de ensaios técnicos no Sambódromo, domingo, o público já gritou “Fora Crivella”, enquanto cerca de duas mil baianas realizavam a cerimônia de lavagem da pista com água de cheiro, arruda, aroeira, flores e defumador.

Ele estava em dúvida, mas finalmente tomou coragem e anunciou que, ao contrário do ano passado, vai participar da festa, sem dizer o dia. Achou necessário advertir que irá para “verificar a infraestrutura, não para sambar”, como se alguém pudesse imaginar a cena.

Com ou sem o bispo na plateia, o carnavalesco Leandro Vieira prometeu que a Mangueira, mesmo com poucos recursos, vai brilhar: “Ninguém vai acabar com a alegria da folia”. O samba-enredo se chama “Com dinheiro ou sem dinheiro, eu brinco”, uma alusão a uma marchinha de 1944. Será uma apresentação bem-humorada, mas com endereço certo. Há versos assim no samba: “Ninguém vai calar a Estação Primeira/ Eu sou Mangueira, meu senhor, não me leve a mal/ Pecado é não brincar o carnaval”.

No sábado à tarde, foi a vez do Simpatia é Quase Amor. Seu “Samba da adivinhação” foi sucesso na internet antes mesmo de arrastar multidões pela orla de Ipanema. Ele talvez tenha sido o mais criativo do ano em matéria de sátira.

Sem precisar anunciar explicitamente o nome do personagem, a composição de Manu da Cuíca, Luiz Carlos Máximo, Belle Lopes e Bil-Rait Buchecha propõe a velha brincadeira do vê se adivinha: “Ensaio de escola? Ele mela/Roda de samba? Atropela/ Macumba? Não tolera/ Só gosta de bloco Nutella/ Ele não cuida nem zela/ Casa de jongo? Cancela/ Em nome de Deus? Apela/Qual o nome do hômi?”.

Crivella ainda tentou se antecipar aos blocos fazendo uma autoironia — “Quem não gosta de samba, bom prefeito não é” — mas não adiantou. “Ele simplesmente deu as costas para a coisa mais importante que existe no Rio de Janeiro, que é a cultura popular”, criticou o cineasta Dodô Brandão, diretor do Simpatia.

Devem disputar com o prefeito figuras como Cristiane, a que foi, deixou de ser e insiste em voltar a ser ministra do Trabalho. Já vi em algum lugar a foto dela num barco cercada de quatro amigos descamisados e a legenda: “Brasil que dá trabalho”.

O carnaval de 2018 deverá ser mesmo o da desforra política.

O Globo, 07/02/2018