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Faltou dizer que

 

Uma constante na doce relação entre os colunistas e seus leitores é que, na exigente opinião destes, todo colunista é um amnésico crônico —ao tratar de qualquer assunto, sempre deixa de citar alguém ou alguma coisa. Eles têm razão. Vide os comentários que começam por "Só se esqueceu de..." ou "Faltou dizer que...". E, para vergonha do colunista, seguem-se os exemplos do que faltou ou foi esquecido.

Meu consolo é que nem sempre é por esquecimento. As colunas têm limite de tamanho —a que você está lendo não pode passar de 1.880 caracteres— e não permitem que se esgote o assunto. Às vezes, o colunista se vê diante de duas citações e só tem espaço para uma.

Daí tento aproveitar o espaço ao máximo, concentrando as ideias em poucas palavras, usando palavras mais curtas e apagando aquelas que se revelam redundantes. Qualquer advérbio de modo, por exemplo, é totalmente inútil. Se não acredita, corte o "totalmente" desta frase e veja se ela perde em sentido. Radicalizando a cirurgia, corte também o "por exemplo", e verá que o sentido continua intacto. Com a extração dessas palavras ganham-se 20 caracteres, que podem ser necessários no caso de se ter de escrever "otorrinolaringologia".

Em coluna recente (26), falei de como o Brasil tem mais faculdades de direito do que a soma de todas no mundo, assim como somos imbatíveis em farmácias, agências de banco, supermercados, shoppings e lojas de colchões. Citei também o enxame de bundas e peitos inflados. Os leitores concordaram, mas disseram que faltou muita coisa.

E citaram: influencers, igrejas evangélicas, sites de apostas, botequins, motoqueiros, bocas de botox, academias de ginástica, gente tatuada, de mochila às costas, de boné ao contrário, de celular ao nariz. É verdade, faltou tudo isso. Mas, como não existe memória absoluta, desconfio que continua faltando alguém ou alguma coisa.

 

 

 

Folha de São Paulo, 02/05/2024