Vivo dizendo que não sou nostálgico, que, como Paulinho da Viola, “meu tempo é hoje”, que o importante é curtir o momento, carpe diem, essas coisas. Mas tenho recaídas, como a do último fim de semana, com a morte de Luiz Carlos Maciel, que me encheu de pesar e de recordações da época em que ele foi, como grande pensador, o guru de uma geração. Eram os anos de chumbo, tempos difíceis — de censura, prisões, tortura e morte — e curiosamente de grande efervescência artística, a ponto de alguns acharem até hoje que a repressão estimulava a criatividade, quando na verdade era apesar, não por causa dela, que se criava tanto.
Maciel foi responsável por divulgar a contracultura daqui e do exterior na sua coluna Underground, que assinava no “Pasquim”, um fenômeno jornalístico que contava com Tarso de Castro, Sérgio Cabral pai, Ziraldo, Millôr, Jaguar, Francis, Ivan Lessa, Sérgio Augusto para dar dor de cabeça à ditadura. Não a derrubou, mas ridicularizou-a com a sua principal arma, o riso, deixando a lição de que, no entanto, é preciso cantar e não perder a graça.
Até então, pasquim significava panfleto, qualquer publicação sem qualificação e importância. Com humor e irreverência, o novo jornal subverteu forma e conteúdo, linguagem e conceito do que existia no mercado da informação. A ironia, a sátira, a paródia, o disfarce e o deboche foram usados contra a hipocrisia e o cinismo do poder dominante. Esse jornaleco de nome e cara fora de uso descolonizou um modelo de imprensa que era a transposição mimética do ideal francês ou americano.
A falta de seriedade, a conduta gaiata, anárquica, desorientaram os censores, cujos mecanismos foram apanhados de surpresa por um inesperado veículo alternativo sem declarada intenção política, mas que respondia a uma demanda reprimida. Com uma ousada tiragem inicial de 20 mil exemplares, em poucos meses vendia incríveis 200 mil e passava a influenciar costumes e a lançar modismos.
Se o tropicalismo, outro sucesso da época, pretendia ser uma alegoria do Brasil, o “Pasquim” foi uma paródia. Aquele jogava com o absurdo; este, com o ridículo. Se a ditadura era carrancuda, sempre de cara amarrada, uma das maneiras de se opor era fazendo rir dela. Existia, por exemplo, uma “esquerda festiva” apostando na alegria e capaz de assumir piadas politicamente incorretas como essa de autogozação em plena Guerra Fria: “o capitalismo é a exploração do homem pelo homem. O comunismo é o contrário”.
Daqueles anos de sufoco político, de que há tanto a rejeitar, ficou pelo menos uma lição para estes nossos tempos irascíveis e sem graça: é possível resistir sem perder o humor.