Como admirador do professor Roberto Macedo, não posso calar diante dos artigos por ele escritos para um jornal paulista, a respeito da questão dos estágios dos estudantes na empresas. Li e reli os mesmos, onde encontrei muita graça nas expressões utilizadas e que não se encontram publicadas oficialmente no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (edição ABL, 1998): escraviários, escragiocratas e escrágios. Se nada resultar de prático, no que pretendo seja uma útil discussão, fica o registro para a nova edição do Volp. Levarei os termos originais para a Casa de Machado de Assis.
Entrando no mérito das considerações feitas, o ilustre economista da USP desanca a lenha em cima de aspectos que considera absurdos, na atual legislação que rege a matéria. Pede uma urgente revisão da legislação, sugerindo seis horas diárias (e não as atuais oito), um mês de férias por ano de estágio e uma remuneração mínima quando realizado em empresas e outras atividades de fins lucrativos.
Ainda reclama que a legislação permite que estágios sejam oferecidos sem pagamento de encargos trabalhistas e previdenciários, exceto um seguro de acidentes no trabalho. E mais: as tarefas exercidas são típicas de empregados efetivos, horas extras não são pagas, há ausência de férias, etc.
Como se verifica, não adianta colocar maravilhas na lei se ela não é feita para ser cumprida. A fiscalização costuma ser precaríssima e os espertalhões sempre se aproveitarão das brechas. Antes de tudo, é preciso separar o joio do trigo, os bons dos maus empreendedores. Nem todos merecem a desconfiança do professor Roberto Macedo.
Depois, ele promoveu uma grande pesquisa em três (!) faculdades de São Paulo e concluiu pelas outras milhares de instituições de nível superior existentes no Brasil que "os responsáveis pelas seções de estágios são unânimes em apontar as distorções." Se existem, por que não são levadas ao Ministério do Trabalho? A conivência não é recomendável.
Há um sistema em pleno funcionamento, que hoje garante estágio a mais de 500 mil jovens, como se pode depreender do benemérito trabalho do Ciee/SP. O assunto é de tal relevo que mereceu consideração na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei no 9394/96). Não é nenhum absurdo promover agora uma emenda constitucional a respeito dos estágios, como seria ridículo tratar essa matéria por intermédio de medida provisória, que não foi feita para isso.
Mas se ocorrer uma alteração legal, que ela seja pautada no bom senso e na experiência dos que lidam há anos com a delicada matéria, que dá emprego a milhares de jovens brasileiros, numa faixa etária em que ficar na rua é a pior das soluções. Se oito horas são excessivas, por que não baixar para sete, permitindo melhor remuneração de bolsas e uma transição mais tranqüila? Esta modalidade de estágio inibe a evasão escolar e viabiliza o acesso do jovem pobre ao mercado formal de trabalho.
Outras melhorias poderão ser contempladas, desde que não se crie o que parece ser uma deliberada confusão entre dispositivos da legislação educacional (a que pertence o setor de estágios) e a legislação trabalhista. É assunto delicado, que merece uma reflexão bem mais cuidadosa.
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro -RJ) em 24/11/2003