O paraibano Geraldo Pedroso de Araújo Dias Vandregísilo, Geraldo Vandré, que neste mês completou 75 anos, é uma das figuras mais fascinantes da música popular brasileira.
Tornou-se famoso nos anos 60 pelas composições apresentadas nos festivais da canção, à época atos de protesto contra o regime autoritário. Venceu o festival de 1966 com Disparada, mas o grande sucesso veio em 1968, com Pra não Dizer que não Falei das Flores, verdadeiro hino de resistência.
Autoexilado, passou cinco anos no Exterior. Regressando, afastou-se do mundo artístico; ficou “fora dos acontecimentos”, disse, em entrevista a Geneton Moraes Neto, exibida na Globo News no último sábado. E acrescentou: “Foi melhor assim”. Na ocasião da dita entrevista, Vandré estava no Rio, hospedado em um hotel do Clube da Aeronáutica.
O que não é de estranhar: no retorno do exílio, manteve boas relações com o pessoal da Força Aérea Brasileira (FAB) em homenagem à qual, aliás, compôs o hino “Fabiana” (a FAB certamente perdoou-o pelo trocadilho).
Já a letra de Pra não Dizer que não Falei das Flores começa com o famoso “Caminhando” e diz: “Pelos campos há fome/ em grandes plantações/ pelas ruas marchando/ indecisos cordões/ ainda fazem da flor/ seu mais forte refrão/ e acreditam nas flores/ vencendo o canhão”. Claramente o autor discordava dos indecisos, daqueles que acreditavam nas flores.
Falou nelas, claro, meio condescendente, mas o refrão traduzia sua inconformidade: “Vem, vamos embora/que esperar não é saber/quem sabe faz a hora/ não espera acontecer”. Ou seja, era preciso agir, uma dramática certeza que levou muitos de seus companheiros à guerrilha e à morte.
Vandré sobreviveu, apesar da solidão ou graças a ela. O que gerou o melancólico comentário do jornalista, ao término do programa: “Vandré se recolhe aos seus aposentos no hotel do Clube da Aeronáutica, para um mundo onde só existe um habitante: ele próprio”.
Vivendo embora nesse mundo peculiar, Vandré não deixa de ser um ser humano e não deixa de ser brasileiro, sujeito aos impulsos, às incertezas e às vacilações dos seres humanos e às peculiaridades de nosso país.
O revolucionário de ontem mudou, e isto não é raro acontecer. É irônico, alguém dirá, que um conhecido opositor do autoritarismo se tenha transformado em hóspede de militares. Isto pode, contudo, representar uma evidência da tradição conciliadora do país.
O regime de 1964 ficou conhecido como ditadura militar, mas na verdade era uma ditadura de militares, dos generais que assumiam o poder e de seus seguidores, vários deles civis. Outros militares se opunham a isso, e alguns continuavam simplesmente cumprindo suas funções. Noel Nutels, o “médico dos índios”, esquerdista conhecido, tinha o apoio da Aeronáutica para seu Serviço de Unidades Sanitárias Aéreas, mesmo depois de 1964.
A verdade é que o país, apesar de tudo, continuou caminhando (não em disparada) e entrou no seguro rumo da democracia; disso, as atuais eleições dão testemunho. Nem tudo são flores, mas as coisas estão muito melhores.
Zero Hora, 28/9/2010