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Faca nos dentes

 

Caminhamos para uma campanha eleitoral em que as regras terão de ser impostas na Justiça, seja pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ou mesmo pelo Supremo Tribunal Federal (STF), já que os candidatos não demonstram disposição para a autocontenção, especialmente o presidente Jair Bolsonaro, desesperado com a derrota iminente.

A exibição de um vídeo supostamente inédito, em que Bolsonaro surge falante depois de uma cirurgia gravíssima, nada mais é do que a tentativa de reavivar o atentado que sofreu durante a campanha de 2018, que ajudou a consolidar seu favoritismo desde o primeiro turno.

Desta vez, sem conseguir subir nas pesquisas de opinião, o presidente apela para imagens populistas, pois a última vez em que teve problema de saúde, provocado por um camarão mal digerido, a imagem no leito do hospital ajudou a melhorar sua popularidade.

Jogando com a vitimização, ao mesmo tempo que acena para o que seria o perigo da volta do PT ao governo, Bolsonaro tenta estancar sua sangria para ter chance de superar Lula num eventual segundo turno, na suposição de que os eleitores de Moro no primeiro passarão para seu lado no segundo. Não há nada que indique isso, pois as pesquisas eleitorais mostram que ele perde para todos os candidatos num hipotético segundo turno.

Esse raciocínio torto, que esquece de avaliar as zonas cinzentas do comportamento eleitoral, fez com que Bolsonaro se espantasse com as críticas que recebeu de adversários do petismo, como se todo antipetista fosse bolsonarista. Diante da “escolha de Sofia”, o eleitor poderá anular seu voto, caso o segundo turno confirme a polarização entre Bolsonaro e Lula, ou escolher um dos dois, superando o antipetismo ou o antibolsonarismo diante da ameaça do “mal maior”.

As pesquisas mostram que o antibolsonarismo é maior hoje do que o antipetismo foi na eleição de 2018, pela realidade presente do país, ainda abalado pela tragédia da Covid-19 tão mal gerida pelo governo e terrivelmente usada para fazer política negacionista à custa de centenas de milhares de vidas humanas. Além disso, a situação econômica é dramática, com a previsão de mais um milhão de desempregados durante este ano de 2022, a indicar a impotência de medidas populistas, como o novo Bolsa Família, para alavancar a candidatura à reeleição do presidente.

Restam-lhe essas ameaças vazias, as insinuações nunca confirmadas sobre problemas nas urnas eletrônicas, a busca de uma maneira de contestar, ou até mesmo desistir da eleição, para não perder. Ele procura, com suas reclamações, dar um ar de que está respaldado pelas Forças Armadas, o que é desmentido pelos fatos.

O relatório do representante militar convidado pelo TSE para verificar a segurança das urnas eletrônicas é totalmente técnico, e não há a mínima suspeição de que possa haver interferência no resultado das eleições. Bolsonaro inventa todo dia alguma coisa para se manter em evidência e deixar um clima de ameaça no ar. Mas não tem condições políticas, nem apoio das Forças Armadas, para tentar um golpe com o objetivo de não realizar eleições.

Mantém, dessa maneira, seu grupo unido, dizendo que foi roubado em 2018 e que pode ser roubado novamente este ano, mas não vejo perigo para as eleições, ainda mais agora com a redução de popularidade do presidente. O apoio em torno de 20% não é suficiente para paralisar o país e tentar um golpe. Já tentou, no 7 de setembro do ano passado, quando estava mais forte, e não conseguiu nada.

Essa estratégia demonstra também que a campanha eleitoral seguirá na trilha de rememorar o passado para evitar um futuro desastroso. Como diz o ex-ministro Jacques Wagner, o PT precisará calçar as sandálias da humildade para encarar os ataques que certamente receberá de todos os demais concorrentes, especialmente Moro, Bolsonaro e Ciro. Com métodos distintos, trarão para o presente dos eleitores na propaganda eleitoral as crises de corrupção ocorridas nos governos petistas, especialmente o mensalão e o petrolão. O problema de Bolsonaro é que, quanto mais basear sua campanha no combate à corrupção, mais estará abrindo caminho para Moro e contra si próprio.

O Globo, 15/02/2022