O Brasil de hoje (ou de sempre?) está tão bizarro que o deputado Eduardo Cunha pode escapar da condenação por quebra do decoro parlamentar devido a uma engenhosa montagem financeira que protegeu seu dinheiro ilegal no exterior.
Como está sendo processado por supostamente ter mentido na CPI da Petrobras ao afirmar que não tinha contas no exterior, Cunha não se preocupará, nesse primeiro momento, em se explicar sobre os outros crimes que presumivelmente cometeu, como sonegação fiscal e evasão de divisas, além, claro, da acusação mais grave, a de que recebeu propina do dinheiro desviado da Petrobras.
A explicação para o depósito de U$ 1,5 milhão feito por um envolvido no Lava Jato é tão bizarra quanto a situação em si: diz que não sabe por que esse dinheiro foi depositado, e imagina que seja uma dívida paga pelo filho de um deputado já falecido, a quem emprestara o dinheiro.
O advogado Marcelo Nobre, que defende Cunha no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, explica didaticamente por que seu cliente não faltou com a verdade. "Ele não tem conta corrente em outros países e isso é absolutamente simples de entender. Eduardo Cunha, na verdade, faz parte de um truste, de um fundo, do qual é tão somente beneficiário. Ele não sabe onde esse fundo tem contas, onde aplica o dinheiro, ele não administra nada".
Por essa descrição, o presidente da Câmara tem na verdade um “blind trust” e aí a situação começa a ficar grotesca. Um “blind trust” é aquele administrado sem que os beneficiários tenham interferência nas aplicações, geralmente utilizados por políticos e outras personalidades que querem evitar conflitos de interesse entre suas atuações no setor público e os investimentos dos fundos. Daí o nome, algo como uma carta branca para os administradores do fundo.
O ex-ministro da Justiça do governo Lula, Marcio Thomaz Bastos, colocou todo seu dinheiro em um “blind trust” quando se tornou ministro justamente para evitar mal-entendidos. O “blind trust” é muito útil também para os que querem manter sua fortuna protegida dos bisbilhoteiros.
Resta saber qual é o caso de Cunha: ou tentou esconder o dinheiro num “blind trust”, ou, pelo contrário, procurou evitar conflitos de interesse dando a terceiros a administração desse dinheiro que, alega, ganhou fora da política, em negócios de exportação.
Cunha manteve seu dinheiro administrado por um “blind trust” e, portanto, não precisava ter uma conta pessoal num banco estrangeiro. Tudo deve estar em nome de empresas ligadas ao “trust”, inclusive os cartões de crédito que serviram para pagar as aulas de tênis na Flórida e outras despesas suas e de sua família.
Com essa explicação, ele pretende safar-se da perda de mandato no Conselho de Ética da Câmara, o que é muito possível. As manobras políticas que Cunha domina tão bem poderão, no entanto, prejudicá-lo. O relator escolhido, deputado de primeiro mandato Fausto Pinato, do PRB, só entrou na Câmara graças à votação de Celso Russomano, a grande estrela do partido da Igreja Universal.
Candidato mais uma vez, desta vez à Prefeitura de São Paulo, Russomano como sempre começa liderando as pesquisas. Não vai querer logo na largada aparecer como o protetor de Eduardo Cunha.
De qualquer maneira, na Câmara Cunha ainda tem margem de manobra. Mais difícil será provar a origem lícita dessa dinheirama que está no exterior sem ser declarada oficialmente. Sobretudo convencer a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal de que o dinheiro depositado em sua conta por um dos intermediários das falcatruas da Petrobras na verdade não tem nada a ver com elas, mas com uma antiga dívida paga em nome de um defunto.
Mas se o projeto do governo de repatriação do dinheiro no exterior for aprovado pelo Congresso, Cunha poderá legalizar seu dinheiro sem maiores problemas.