O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pode não ser o grande amigo dos Bolsonaro que o presidente brasileiro vendeu para a opinião pública. Mas não há dúvida de que os dois, o brasileiro e o americano, têm mais coisas em comum do que seria desejável para o nosso país.
Ontem, foi Trump quem criticou a escolha da ativista ambiental Greta Thunberg pela revista Time como a personalidade do ano de 2019. Trump foi paternalista com Greta, tratando-a como uma menina estressada que precisa “relaxar” em vez de ficar pelo mundo com “raiva”.
Sem esconder também uma ponta de machismo, disse no Twitter que o que Greta precisa é “ir ao velho e bom cinema com um amigo”. Trump classificou de “ridículo” o episódio da escolha de Greta, e diagnosticou: “Greta deveria trabalhar em seu problema de controle da raiva”.
Na véspera, foi Bolsonaro quem atacou Greta, com o desdém que os “adultos sérios” tratam “pirralhas” como ela. Assim como Trump, e ao contrário do mundo civilizado, o presidente brasileiro não leva a sério o trabalho de Greta Thunberg, e nesse caso os dois misturam sentimentos de machismo com uma pitada de misoginia.
Assim como Bolsonaro, também o presidente americano tem casos em sua vida que deixam patentes sexismo e misoginia, mas nada os afetou em suas campanhas eleitorais.
A tentativa do Palácio do Planalto de retirar da palavra “pirralha” seu significado pejorativo na língua portuguesa, transformando a ironia agressiva em significado banal de “criança ou pessoa de baixa estatura”, não resiste a uma espiadela no dicionário: “criança ou jovem atrevido ou com pretensões de adulto”.
O que os dois presidentes fazem, ao tratar o ativismo de Greta com desdém, é reafirmar suas posições anacrônicas sobre a situação climática no mundo. O Brasil perdeu o protagonismo no debate sobre a crise, e retirou o clima dos temas prioritários do país, o que é um equívoco sem tamanho, com conseqüências graves para nosso futuro, inclusive o econômico.
Agora que a agência de risco Standard & Poor's melhorou nossa avaliação, abrindo caminho para que outras agências o façam, e preparando o terreno para a recuperação, um dia, do grau de investimento, uma visão distorcida da questão climática, junto à percepção mundial de que o Brasil é leniente com o desmatamento e as queimadas, podem trazer-nos graves prejuízos na exportação.
É inexorável o avanço desse debate, e, sobretudo, da decisão dos consumidores mundiais de não comprar carne ou madeira sem serem certificadas, produtos agrícolas provenientes de terrenos de queimadas ou terras indígenas invadidas.
Nossa agricultura, que utiliza tecnologia de ponta e é líder em diversos mercados internacionais, pode ser afetada pela atuação ilegal de grileiros e invasores de terras que não são combatidos devidamente pelo novo governo.
Segundo o IBGE, a safra brasileira de grãos em 2020 vai bater um novo recorde, podendo chegar a 240,9 milhões de toneladas, mais 33milhões de toneladas que a safra deste ano. Já somos o maior exportador mundial de soja, de açúcar, de suco de laranja, de proteína animal, o segundo maior de milho, de algodão (cuja produção continuará crescendo em 2020).
Todos esses feitos, é claro, colocam contra nós países desenvolvidos importantes, como os europeus e os Estados Unidos. Seria ideal que o governo brasileiro não desse motivo para alimentar (com trocadilho) nossos competidores, permitindo até mesmo que exagerem nas críticas, com interesses particulares travestidos de defesa do bem comum.
Como não somos os Estados Unidos, não temos condições de partir para o confronto com organismos internacionais, e grandes potências, sem as armas da negociação diplomática, que sempre foi o nosso forte.
O isolacionismo de nossa atual política externa, que leva a posições exóticas, por vezes ridículas, não pode ser nossa marca registrada.