Devo estar defasado, ou completamente por fora do que está acontecendo no Brasil. Ouvi, como todo mundo ouviu, o conselho do presidente Lula para que tiremos o traseiro dos bancos que cobram juros altos e transportemos civicamente o traseiro para outros bancos, onde certamente os juros serão menores.
A totalidade da mídia tomou o conselho presidencial como uma condenação ao comodismo nacional, que habituou-se a sentar o traseiro num canto e a esperar que chova dos céus ou suba dos infernos a salvação de nossos problemas.
Dou de barato que Lula tivesse tal intenção, a de criticar o comodismo de todos nós. Mas não foi por aí que me espantei com a sua declaração. Comodismo por comodismo, somos comodistas desde 1500, desde o Descobrimento ou achamento do Brasil. A primeira reportagem feita sobre o Brasil já mencionava esse comodismo. Pero Vaz Caminha registrou que tudo dá neste país abençoado por Deus e bonito por natureza, desde que "em se plantando" - uma forma de não ser comodista.
O que me espantou na fala presidencial foi o velado cinismo em relação às taxas que todos pagamos, independentemente do lugar onde botamos o traseiro. Os juros que os bancos cobram são realmente altíssimos, mas o governo é que os alimenta e incentiva, cobrando também seus juros, acrescidos de impostos - e somos o primeiro ou segundo país do mundo com taxas de juros e impostos mais altos do mundo.
Curioso: em quatro campanhas eleitorais, nem Lula nem o PT fizeram qualquer alusão ao local onde se deve ou não deve botar o traseiro nacional. Prometiam muitas coisas, entre as quais baixar juros e impostos.
Se ouvirmos seus conselhos de agora, acabaremos levando os traseiros para as Ilhas Papuas, onde, segundo consta, os juros bancários e os impostos não chegam a ser obscenos como os nossos.
Folha de São Paulo (São Paulo) 02/05/2005