Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > Exemplo para o mercado

Exemplo para o mercado

 

Não espanta, embora cause desconforto, a revelação do jornal inglês Financial Times de que também o Departamento de Justiça dos Estados Unidos abriu uma investigação criminal sobre a estatal brasileira Petrobras, para saber se houve pagamento de propina a funcionários da estatal ou violações à lei americana de combate à corrupção.

Assim como sua similar americana, a Securities and Exchange Comission (SEC), também a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) está investigando o caso, embora com uma postura de discrição que talvez não seja muito educativa para o mercado.

Há uma ressalva na legislação que diz que o inquérito é sigiloso, salvo quando sua divulgação servir para “educar o mercado”, que seria justamente o caso, para demonstrar que uma estatal é investigada como qualquer outra empresa da Bolsa. A Petrobras, até o momento, está nesse caso como vítima de seus ex-diretores, pois há na lei um dispositivo que diz que o administrador da companhia tem o dever de lealdade a ela, e não pode, em detrimento do interesse da companhia, beneficiar a si próprio ou a qualquer terceiro.

Na medida em que administradores da Petrobras desviaram recursos para pagar propina, ou receberam propinas para aprovar investimentos superfaturados, eles estão lesando a companhia e devem ser investigados. Entre o primeiro e o segundo turno da eleição presidencial a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) requisitou todos os documentos que uma comissão interna da Petrobras levantou sobre o esquema de corrupção na estatal, revelado em depoimentos à Justiça em delação premiada pelo ex-diretor Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Youssef.

O pedido foi o primeiro passo do processo administrativo que a CVM abriu, motivado pelo noticiário sobre o depoimento dos dois. Já no dia 14 de outubro a Petrobras respondeu a um questionamento feito pela CVM quatro dias antes, informando que estava colaborando com as investigações e que era reconhecida como "vítima" no processo criminal.

Dois dias depois, em resposta a novo questionamento da CVM, a Petrobras anunciou que abrira Comissões Internas de Apuração, e que um dos principais objetivos seria o ressarcimento dos prejuízos causados pelos eventuais desvios de dinheiro.

A compra da refinaria de Pasadena, no Texas (EUA) foi o primeiro caso denunciado, e ganhou notoriedade por que, contrariamente à versão oficial da estatal, a presidente Dilma, que era a presidente do Conselho de Administração da Petrobras à época, revelou que considerava a compra um péssimo negócio e que não o teria aprovado se soubesse na ocasião as condições.

A partir daí o caso ganhou contornos políticos importantes, até que uma CPI foi aberta no Congresso para apurar os fatos. A refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, é outra obra superfaturada no esquema de financiamento de políticos e partidos, e ontem se ficou sabendo que a propina que Paulo Roberto Costa recebeu para aprovar a compra foi de U$ 1,5 milhão, e não de reais, como revelava ingenuamente a primeira versão.

Um número grande de deputados e senadores está envolvido no esquema, além de PT, PP e PMDB como partidos políticos detentores da indicação dos diretores que operavam o esquema criminoso. Como têm foro privilegiado, os casos envolvendo políticos e governadores estão sendo encaminhados para o Supremo Tribunal Federal (STF) ou para o STJ.

O ministro Teori Zavascki é quem está centralizando as informações no Supremo, e coube a ela referendar a delação premiada do ex-diretor da Petrobras, que já recebeu o benefício de prisão domiciliar.

O fato de o Departamento de Justiça dos Estados Unidos estar investigando criminalmente o caso, e a SEC também, no âmbito da Bolsa de Valores de Nova York, é uma garantia de que os envolvidos não ficarão impunes, pois por enquanto as investigações da CPI do Congresso não foram adiante, boicotadas pela bancada majoritária do Governo, o mesmo Governo que jura, pela boca da presidente reeleita Dilma Rousseff, que não deixará “pedra sobre pedra” nessa investigação, e punirá os responsáveis, “doa a quem doer”. Até a oposição entrou num jogo de compadres com o PT, em boa hora desautorizado pela direção nacional do PSDB.

Como não há um histórico muito satisfatório no Congresso sobre punições a companheiros – veja-se o caso do deputado André Vargas, cujo processo de cassação já foi adiado seis vezes na Comissão de Ética da Câmara - , espera-se que o Supremo aja com a mesma imparcialidade demonstrada ultimamente, e que a CVM tome as medidas necessárias, para que não fiquemos dependentes de instituições de outro país para punir nossos criminosos.

O Globo, 11/11/2014