Não é bom sinal que, com menos de dois meses de governo, já se fale em possíveis sucessores de Lula. Pior ainda quando se coloca a primeira-dama no páreo. Janja virou até fantasia de carnaval. O próprio presidente sentiu cheiro de queimado no ar e tentou desarmar a bomba, recuando prematuramente da promessa de não disputar a reeleição.
Com isso, porém, acirrou a sanha da extrema direita, o que trará de volta ao Brasil no próximo mês o ex-presidente Bolsonaro com o objetivo de liderar a oposição ao PT. À síndrome da reeleição tem efeitos colaterais graves, como governar desde o primeiro dia do primeiro mandato para conseguir um segundo. No caso de Lula, um quarto.
Mas presidente que anuncia que não será candidato gera disputa antecipada. Bolsonaro prometeu, uma das muitas mentiras que contou para receber votos dos eleitores liberais que acreditaram em suas promessas. Desde o primeiro dia de seu mandato, a reeleição foi prioridade.
Aprovada no governo de Fernando Henrique, a reeleição sempre foi justificada pela necessidade de dar prosseguimento às reformas em curso, como se fossem medidas de governo, e não de Estado. Assim foi no Plano Real, assim foi com Lula e Dilma, assim também com Bolsonaro, no desmonte do Estado governado havia 25 anos pela social-democracia, como definido pelos seus, juntando no mesmo saco PT e PSDB.
No atual caso do Brasil, há um detalhe extravagante: os dois grandes líderes populares, Lula e Bolsonaro, podem não ter condições de se candidatar em 2026. Lula, pela idade e pela saúde, já que ele mesmo condicionou a seu estado físico a decisão. Bolsonaro, porque provavelmente será considerado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Isso acontecendo, independentemente de ser preso ou não, a direita brasileira terá o mesmo argumento da esquerda em 2018. Dirá que houve um conluio para impedir Bolsonaro de se candidatar e favorecer o PT.
Mesmo que, no PT; não se atrevam a lançar candidatos enquanto Lula mantiver acesa a possibilidade de se recandidatar, já surgem especulações que colocam como possíveis pretendentes os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, da Casa Civil, Rui Costa, e da Justiça, Flávio Dino. No centro, que não conseguiu nas duas últimas eleições ter candidato viável, movimentam-se nomes já conhecidos: o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, a ministra do Planejamento, Simone Tebet.
A 'direita civilizada' tem dois governadores protagonistas nessa disputa antecipada: Romeu Zema, de Minas, e Tarcísio de Freitas, de São Paulo. Ambos tentam se descolar de Bolsonaro, deixando o ex-presidente ficar isolado na extrema direita, que teria um dos filhos, provavelmente o senador Flávio Bolsonaro, como herdeiro político.
A falta de nomes, cria-se uma disputa indireta entre as primeiras-damas dos dois -a atual, Janja, e a ex, Michelle. A primeira-dama Rosângela da Silva, mais conhecida como Janja, virou figura nacional. Participa de reuniões ministeriais, sai em fotos oficiais de encontros presidenciais. Mesmo antes da posse, já se prenunciava que teria papel importante. Confessou em entrevista ao 'Fantástico' que suas inspirações são Evita Perón e Michelle Obama, duas primeiras-damas de ações distintas. A esdrúxula situação de aparecer entre Lula e Biden em foto na Casa Branca virou meme.
A ex, Michelle Bolsonaro, assumiu um papel político no PL, comparece a reuniões do partido, já tem missão de viajar pelo país com salário oficial. Sua popularidade entre o eleitorado evangélico é um trunfo. Bolsonaro já está enciumado.
Cinquenta anos depois, poderíamos repetir a farsa de termos uma ex-primeira-dama na Presidência da República no Brasil depois que a Argentina, por meio do líder populista Juan Domingo Perón, teve como presidente sua mulher, Isabelita. A tragédia argentina começara quase 30 anos antes, quando a primeira-dama Evita Perón tornou-se uma lenda entre o povo, mesmo sem ter mandato ou voto.
Seria cômico se não fosse trágico.
À falta de nomes, cria-se uma disputa indireta entre as primeiras-damas -a atual, Janja, e a ex, Michelle.