Em 1990, na posse de Fernando Collor na Presidência, um seu colega das noites do Rio em 1980 foi a Brasília abraçá-lo. Sobreviveu à fila, estreitou-o e disse: "Que maravilha, Fernando! Parabéns!". Collor desvencilhou-se e respondeu, gelado: "Presidente Collor para você". O amigo voltou triste para o Rio. Ao chegar à casa, foi informado de que Collor sequestrara sua poupança —a dele e a do povo brasileiro.
Como se tratam certas pessoas de acordo com suas posições? Presidentes, por exemplo. Uma vez presidente, sempre se será presidente. Foi como me dirigi a Jânio Quadros ao entrevistá-lo para a Folha em sua casa, no Guarujá, em 1983. Dez uísques depois, Jânio continuava respondendo ao tratamento. E, por volta de 1971, redator da Manchete, aqui no Rio, almocei várias vezes com Juscelino Kubitschek no lendário restaurante da revista. Todos na mesa, inclusive Adolpho Bloch, dono da empresa e seu grande amigo, o chamavam de presidente.
Carlos Lacerda. Podia-se gostar ou não dele, mas era fascinante ao vivo —culto, falante, surpreendente. Quando o conheci, também nos anos 70, já não tinha ilusões políticas. Mas ninguém o tratava por "Lacerda". Era "Carlos" para os muito chegados e "Dr. Carlos" para todos os demais. "Lacerda", só para o resto do mundo e na terceira pessoa. Pelo que sei, o mesmo se dava com Assis Chateaubriand, o magnata da imprensa. Só quem não lhe tinha acesso o chamava de "Chatô". Para os amigos e funcionários, era "Dr. Assis".
O ministro do STF Alexandre de Moraes acredita que só os bolsonaristas, que o odeiam, o chamam de "Xandão". Mas não é assim. Muitos de seus admiradores também se referem a ele pela alcunha. O epíteto é o mesmo, depende de quem o emprega.
Em compensação, há dias vi uma entrevista de Bolsonaro a um programa popular de TV. O apresentador o chamava de "Bolsonaro", como a um qualquer. E estava certo.