É divertido comparar o que a imprensa internacional publicou antes e logo depois da cerimônia de abertura da Olimpíada — o contraste entre as previsões sombrias e a constatação entusiasmada do que de fato aconteceu: em vez do fracasso, o sucesso absoluto. O “NY Times” escreveu que o espetáculo foi “deslumbrante e sem ostentação”, resumindo uma contradição em termos que o país gosta de conciliar. De maneira geral, só houve elogios nos EUA e na Europa, até com exagero também agora, como o do jornal londrino que chegou a anunciar que o Rio gastou com a nossa festa um décimo do que Londres (parece que foi “apenas” a metade). É bem verdade que a descrença inicial dos jornais de lá se baseou no que era dito aqui, e até publicado, por motivações conhecidas: complexo de vira-lata, espírito de porco ou simples inveja, digamos, regional do protagonismo inesperado do “balneário decadente”.
Os gringos deviam estar esperando os lugares-comuns de uma apresentação exótica, e não o espetáculo de conteúdo universal e forma sofisticada, exaltando a diversidade e a tolerância, e chamando a atenção do planeta para o desafio ambiental que ele enfrenta. E isso com limitação de recursos, mostrando como compensar carência de meios com criatividade. Lembra de certa maneira o que aconteceu há exatos 51 anos em Gênova, quando Glauber Rocha expôs a sua tese-manifesto “uma estética da fome”. Na sexta-feira passada, Fernando Meirelles, Daniela Thomas, Andrucha Waddington e Deborah Colker, à frente de um time de ouro, apresentaram no Maracanã a sua “estética da gambiarra”, que, a exemplo do Cinema Novo, impactou o mundo. “Outros países fazem suas cerimônias olhando para o próprio umbigo, mas nós estamos aqui para dar um recado ao mundo. Uma mensagem para o futuro", explicou Meirelles, não por acaso diretor de “Cidade de Deus”, um filme também aclamado mundialmente.
A abertura dos Jogos foi mesmo uma metáfora dramatizada de nossa história de resistência e superação, da volta por cima, a trajetória cultural de um país antropofágico, acostumado a digerir e devolver transformado o que recebe, tudo junto e misturado — índios e Gisele Bündchen, ocas feitas de elástico barato e edifícios de papelão, tropicalistas e bossa nova, funkeiros e MPB, Paulinho e o Hino Nacional na viola.
Três dias depois, este país da diversidade estaria encarnado por Rafaela da Silva, a garota de ouro que um dia foi xingada por energúmenos nas redes sociais de “uma macaca que devia estar numa jaula”.