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Esquecimento injusto

 

Jarbas Vasconcelos, governador de Pernambuco, reclamou do esquecimento do nome de Ulysses Guimarães na recente onda de comemorações dos 20 anos de redemocratização nacional.


Esquecimento injusto e até injustificável. A luta contra o regime totalitário (1964-1985) teve sucessivas e até contraditórias etapas, nem sempre bem-sucedidas e coerentes. Nesse particular, a atuação de Ulysses foi decisiva e mais constante, em que pese o apoio inicial que deu ao movimento de 1964, quando pensava que o golpe militar poderia parecer um contragolpe que impediria uma ditadura sindicalista promovida pelas forças que exigiam de João Goulart reformas institucionais. (Por falar nisso, o embrionário líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva participou da Marcha com Deus pela Família).


Ulysses jogou-se de peito aberto contra o arbítrio, correu todos os riscos, mas os poderosos de então nada podiam contra a sua biografia exemplar e contra a legitimidade de sua atuação política. Ele dividiria heroicamente com Tancredo Neves a liderança das forças políticas que lutavam quase na clandestinidade pela redemocratização. Enquanto Tancredo agia nos bastidores, costurando a vitória finalmente obtida no Colégio Eleitoral, Ulysses oferecia sua própria vida na luta escancarada contra o regime militar, atuando nas ruas e no Congresso de forma quase radical pela liberdade duramente conquistada.


Na confusão da noite de 14 de março de 1985, que obrigou Tancredo, já eleito e diplomado presidente da República, a se internar no Hospital de Base, Ulysses podia beneficiar-se de uma situação juridicamente controversa. Foi dele a palavra que ganhou as ruas, declarando que Sarney, vice de Tancredo, devia assumir o poder.


Não se sabe até que ponto ele ajudou ou atrapalhou o primeiro presidente civil a governar. O fato é que, sem Ulysses, fatalmente a ditadura teria durado muito mais.


 


Folha de São Paulo (São Paulo) 23/03/2005

Folha de São Paulo (São Paulo), 23/03/2005