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Esperando Obama e Godot

 

Este fim de ano evidenciou o aluvião de conferências latino-americanas, repetindo a irrelevância de par com a descontração das lideranças, como, aliás, pedia o Sauípe baiano, no à vontade na praia da presidente Bachelet, ou o novo rosto cubano de um Raúl Castro, em bonomia e abertura de diálogo com a América de Obama.


Estas agendas vagaram, em todo o governo Bush, num jogo de expectativas e adiamentos indefinidos, em que o continente evidenciava a sua desimportância no mundo das hegemonias. Neste quadro, avulta a emergência do Brasil, a se descolar do contexto e da geografia do país gigante, voltado para o seu mercado interno, em que nos associamos aos Brics.


Lula teve o enorme bom senso, ao mesmo tempo, de não se confrontar a Chávez, nem permitir que o nosso peso econômico, nos países sob a influência de Caracas, insuflasse a denúncia do dito imperialismo brasileiro, em nome da indigitada revolução bolivariana, nascida do oportunismo histórico chavista.


Esta trampa edificou-se na presunção da permanência dos republicanos em Washington, permitindo a transferência para a Venezuela do protagonismo cubano de confronto, com a mesma virulência da diatribe, mais o poder de barganha, de quinto produtor de petróleo mundial, diante de uma América cada vez mais sedenta do combustível. Mas a polaridade anti-hegemônica, sonhada ainda há um biênio, quebra-se na falta do suporte efetivo de uma Rússia, minguada no papel de potência de primeiro plano, das cautelas chinesas, ou da nova rebeldia com que Morales ou Correa, os pupilos, assumem os riscos dos seus contenciosos com o Brasil.


Este impulso de nova autonomia histórica remata-se na reivindicação do presidente do Paraguai, Lugo, numa realpolitik inédita frente ao vizinho, visto como monopolizador do poder hidroelétrico de Itaipu. Pouco adianta agora a aliança com Caracas, e são disputas absolutamente distintas as que opõem La Paz, Quito ou Assunção ao Brasil, blindado a toda intercessão fantasma de Chávez.


Aí está, mais que o governo Obama, uma era que desnorteia as velhas polaridades, e impede os jogos feitos, de saída. Eis, de repente, mais que de repente, a proposta de conversações com Washington. Impacto do que os padrinhos de governos começariam, abrindo-se à inédita troa de reféns? Bane-se para a Venezuela todo protagonismo de velha escalada, tão miniaturizada hoje quanto sem volta, a sonegar a nova redistribuição a preço de todo exílio de futuro.


Mas o desarme, diante da América de Obama, em vão permitirá a Chávez, numa concessão esperta, aquietar-se no seu território, para a proeza obsoleta do populismo autoritário e das presidências perpétuas. Quiçá repetindo em Caracas o Imperador Bokassa, na sua corte africana, em tempos de Mitterrand. A América de Obama virá, sim, ao Brasil de Lula, no símbolo de um aprofundamento democrático, todo ao contrário da Presidência perpétua, que não merece o país de Bolívar, exposto a um corporativismo absoluto, que pode sucumbir à ditadura, como é próprio da castração cidadã e do sono profundo do conformismo político.


Uma esquerda obsoleta esperaria Godot dirigindo-se ao novo governo americano, tanto pervista nas prioridades do anti-imperialismo jurássico, e não no empenho comum para o abate de Guantánamo; e, sim, na retomada da demanda universal dos direitos humanos, e na subordinação dos Estados Unidos à responsabilidade pelos crimes contra a humanidade, que já começa a rondar o presidente Bush.


Jornal do Brasil (RJ) 07/01/2009

Jornal do Brasil (RJ), 07/01/2009