O discurso de Obama, frente à coluna de Berlim, encontrou ratificação estrondosa para a possível convivência entre os ricos do mundo. Kennedy já tinha enntendido que o palco efetivo do encontro das duas pontas do Ocidente era o cenário da queda do Muro, pedra por pedra, entre as duas visões do futuro contemporâneo. Os arremedos quase grotescos de McCain, entre salsichões, em cervejaria perdida no interior americano, só dizem da escala em que a fala do rival é a outra voz de fundo da cultura americana, saída do cabo de guerra demo-republicano.
Muito mais do que o velho grito da disputa partidária, o que levou à onda Obama vem do inconsciente cívico do país, que foi às raízes jeffersonianas para repudiar o fundamentalismo pós-Reagan e a arrogância da civilização do medo, nascida da Guerra Fria. É este sentimento brotado em Iowa, desde os primeiros e decisivos "cáucus" pelo Senador de Chicago, que chegou ao comício desbordante de Berlim.
O que se consagrou aí é a virtude primordial de um sistema democrático, que pode sempre jugular o delírio do poder e da segurança em função desta aventura sempre nova da liberdade, e da inestancável consciência de sua conquista. Mas até onde o discurso triunfal de Obama sai do nervo da esperança para consagrar, reegressivamente, consensos táticos, de que cada vez menos precisa? Ou revelar de forma chocante, nas suas platitudes, a falta de percepção do mundo emergente que defrontará no Salão Oval? Choca todas as periferias a retórica abusiva com que aludiu ao globo sem muros, cego ao que ora se levanta na fronteira de seu próprio país.
Aí está o escândalo da muralha da Califórnia, que entra no Pacífico até mais de trezentos metros, para evitar o nado quase suicida dos imigrantes mexicanos em busca da terra de promissão. Nenhuma palavra até hoje, inclusive, da propaganda do Senador quanto ao regime de segunda classe a que se subordinam os "chicanos" quando admitiidos e obrigados a jurar que nunca tentarão fazer do espanhol uma língua nacional dos Estados Unidos.
Não é sem razão, aliás, que toda visão dos latinos continua em branca nuvem, no horizonte de Obama, tal como são o grupo étnico mais arredio, ainda, à sua campanha. Formou o grosso do apoio a Hillary, e cada vez mais parece tendente, agora, ao outro lado, no eco do reacionarismo da Flórida que, nos milímetros finais, deu, aliás, a vitória a Bush contra Al Gore.
A retórica do ganhador tornou desnecessária a correção da cegueira frente ao muro em casa, insensível à condição dos chicanos errantes. Mas é o momento da nossa cobrança para que, de logo, não entremos no novo governo com o mesmo descaso com que a América Latina permaneceu, nos mais secundários e anódinos dossiês do Salão Oval.
Jornal do Commercio (RJ) 1/8/2008