Um dos clichês mais batidos no cinema, principalmente nos velhos filmes de faroeste, mostra uma pequena cidade do interior na santa paz do Senhor, meninos tomando banho numa cachoeira, o sino da igreja tocando alegremente, chamando os fieis para o ofício religioso, o dono do bar servindo um refrigerante inocente para o carteiro da comunidade, numa mesa redonda, quatro cowboys jogando damas, uma velha vitrola fanhosa tocando "Oh, Suzana", um cachorro tomando sol e olhando um passarinho.
De repente, entra em cena o pistoleiro mais famoso das redondezas, cuja cabeça está a prêmio. Pronto. Está aberta uma carnificina. Tiros e socos. Alguém dá uma pedrada no sino da igreja. Não há missa porque o vigário fugiu com a mulher do xerife. Dois homens armados assaltam a agência do banco local.
O clichê está se repetindo, não na tela de um cinema, mas na vida real do nosso governo e da nossa sociedade. Oficialmente, tudo está perfeito, os aeroportos são iguais aos do Primeiro Mundo, a inflação está dominada, a corrupção foi punida, não há risco de apagão, a Copa do Mundo está garantida, a violência é coisa do passado.
Nesta semana, a presidente do Brasil contestou publicamente um de seus ministros que considerou uma de suas obras (a maquiagem do aeroporto JK) como digna de um país do primeiríssimo mundo.
Enquanto as duas autoridades não chegam a um acordo, os acessos dos aeroportos, em geral, estão longe de qualquer mundo. O mesmo pode ser dito sobre os estádios, o trânsito nas grandes cidades, a desconfiança do povo na honestidade de seus dirigentes.
Tal como nos clichês cinematográficos, o Brasil está vivendo uma era de ouro em que todos estão satisfeitos, os sinos badalam festivamente e não há cabeças a prêmio.
Folha de S. Paulo(RJ), 20/4/2014