Começam um a um dos incriminados no processo dos sanguessugas a desistir de voltar às eleições. É como se o excesso de abuso começasse a bater na consciência política, após o escárnio do mensalão. O Congresso já moeu a carne da vergonha até a medula ao absolver os primeiros implicados em manifesto caso de corrupção da República, cosanostra. O País sequer continuou a prestar atenção a um perdão após outro, apesar das manifestações das CPIs, ouvidos moucos e frouxos dos colegas de plenário, tapinha nas costas e chopada com os julgadores de uma hora antes.
Do escândalo nas manchetes seguiu-se a vergonha silenciosa diante do País, pela qual a larga maioria do Congresso consagrou, como usos e costumes da política brasileira, o recurso ao caixa 2 e ao uso do dinheiro público para a paga de despesas eleitorais. Não faria verão já, entretanto, a etapa subseqüente da modernização da máfia orçamentária, através da apropriação das verbas federais, a equipamentos públicos e dinheirama, dividida entre o empresário de todas as audácias, e os deputados de todas as emendas e subemendas.
No que ainda era o respingo democrático e múltiplo do valerioduto, a esbórnia dos sanguessugas evidenciou já uma burocracia disciplinada da corrupção. No seu trivial, pôde se fartar no baixo clero e, dentro dele, serviu para expor a especial desenvoltura para o crime das neobancadas chegadas ao parlamento. Ou seja, a dos evangélicos, sem a tradição política profissional da traquitana do dinheiro fácil, disfarçado das ambulâncias, franqueadas entre o dízimo dos pobres e a comissão dos novos ricos do Congresso.
O teste aí está, do quanto os neopecadores vão, de fato, acompanhar os mais velhos no golpe dos sanguessugas, prudentemente saindo da campanha, assumindo a vergonha pública, antes do castigo da execração parlamentar. Arriscam-se alguns na insolência de que grotão de evangélico sobrevive na surdez eleitoral e que a impunidade dos pastores nada tem a ver com a consciência cidadã.
O fato novo e contundente é o de que as mais finas raposas da matilha orçamentária sentiram, por uma vez, na cesta de prendas de PTBs e PPs, que o seu eleitorado virou a página, agora, no caso dos sanguessugas após o risco às escâncaras pela absolvição dos mensalistas. Pesam as algemas do bispo Rodrigues, mostrando que pela primeira vez, num governo da República, a polícia vai às últimas conseqüências e cassado, ou não, o deputado chega à cadeia pelo crime da corrupção, castigue-o, ou não, a casa frouxa; eleja-se, ou não, o suspeito - e condenado - para uma nova festa parlamentar.
Este País que a máfia vê, pela primeira vez, pondo um basta nas benesses do sistema de sempre, é também o que não se deixou iludir pelo denuncismo querendo a derrubada do presidente. Nem pelo seu refogado mirando Lula na televisão eleitoral.
O candidato nervoso, inseguro, mal à vontade no "Jornal Nacional", é o presidente diante da ribalta do Brasil que nele votou a mais em 2002. Acossado, perguntado sobre o repertório que o povo de Lula já passou em julgado, cuja determinação em reelegê-lo nasce de uma ética mais funda: a que só conhecem os desmunidos na comida que chegou; na escola, enfim; no mini-crédito, do subsídio rural, da bolsa-família.
Prosódia, concordância, cifras erradas, na fala do Planalto não penetram no País de dentro. Nem o de fora pode acreditar que o make-up mediático, ou as novas trampas do moralismo mudem o jogo feito. Todo o inquisitório do país da telinha bate em vão no telão da consciência do Brasil que vai, no primeiro turno, ao ganho do "Lula-lá".
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro) 18/08/2006