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Enfim, a solução

 

Não lhe guardei o nome, o número e o partido. Guardei apenas a cara, uma cara subdesenvolvida. Poderia ser a de um figurante anônimo num filme do Cinema Novo. Durou poucos segundos na tela, mas houve tempo para dar o seu recado: 'Eu sou a solução!'


 Como não citou nenhum problema, entendi plenamente o seu recado. É dele que precisamos. Os demais candidatos se limitam a explicitar nossas mazelas, as valas negras, o corredor dos hospitais cheios de macas com doentes, escolas em frangalhos, queimadas no interior e tiroteios nas cidades, enfim, a nossa realidade. Realidade que é como o pão daquela prece cristã: a violência de cada dia.


Achei que a mensagem do candidato era positiva. Ele não afirmou que traria a solução para os problemas, mas que era, em si mesmo, a solução. Tinha nome, número, partido, provavelmente teria um CPF, endereço sabido, estado civil, tudo o que forma um cidadão em carne e osso.


 O mal da democracia representativa é que ela se torna abstrata demais, conceitual. É um tesouro escondido que ninguém consegue achar. Por exemplo: acabar com a corrupção, a miséria, baixar os juros, criar empregos para todos.


O que precisamos não é de soluções, mas de 'solução' pura e simples. À medida que as soluções são anunciadas, elas deixam de ser soluções e passam a ser problemas para todos, principalmente para aqueles que as propõem.

 

Outro dia, encontrei no largo da Carioca um sujeito de túnica branca e bordão em forma de cruz. Gritava para o mundo: 'Eu sou a porta'. Pensei em desdenhá-lo, mas parei para ouvir o que ele tinha a dizer. Ele só repetia que era porta.


No fundo, era o anúncio para o candidato que resolveu a questão, dizendo que era a solução, provavelmente atrás da porta.


 Folha de São Paulo, 28/9/2010